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Mais de um ano passa, o tempo escorreu como água, as estações mudam e Nezuko continua a dormir. Seu conforto vem das palavras de Tamayo, a médica diz que sua irmã está bem, enquanto ela dorme seu corpo se adapta para que o sono lhe dê a energia que de outra forma viria da matança. Da mesma forma, Tamayo esta intrigada com sua própria condição, seu pequeno ajudante tende a chamar Tanjiro de vinhas parasitas, tão ranziza quando da primeira vez que se viram.

O sol é o que lhe mantém, seu corpo mudando para realizar um processo semelhante a fotossíntese. Ele não se questiona sobre esse aspecto de si, como antes, ele o aceita como algo fundamental, que deveria ser, como foi com sua visão, como foi com seu olfato. No grande esquemas das coisas, ele não pode discordar do seu apelido, é a bondade de Tamayo a mantê-lo lá, suas caçadas pouco rendem além de onis comuns, desde seu irmão, nenhum outro kizuki cruzou seu caminho. Nos piores dias, a ansiedade o devora como uma fera faminta. Yoriichi é estranho a se deixar sentir tanto, apreensões inundam seus sonhos, assim, a noite continua voltada a caça, as manhãs, é quando ele senta no jardim, meditando na propriedade escondida e silenciosa, nos dias sem sol, ele é letárgico, sonolento, ele não gosta, não pronto para enfrentar os caminhos traiçoeiros de sua própria mente inconsciente.

Hoje é um dia assim, o céu cinzento traz a noite mais rápido, o sol um astro distante. Se levantando da grama, ele percorre o estreito caminho de pedra, as janelas e portas estão todas fechadas, mesmo que os demais onis residentes estejam agora esperando o completo anoitecer nas dependências inferiores. Em silêncio, ele entra e continua a seguir um caminho já familiar. A propriedade está sempre limpa, cheira a ervas e material de limpeza, hoje não há pacientes e ninguém o interrompe enquanto ele avança.

O quarto de Nezuko está no nível inferior, é mantido iluminado por lamparinas a gás, a porta com estampas florais desliza sem barulho, ele já sabe que a irmã tem companhia. Tamayo esta sentada ao lado de seu leito, um livro repousando em seu colo. Havia se tornado comum achá-la ali, quando não para verificar a menina, então, para proporcionar companhia, foi bom que Nezuko não estivesse sozinha - que ele não estivesse.

- Você desceu mais cedo.- Tamayo comenta em cumprimento.

Enquanto se aproxima, para sentar do outro lado da irmã, conferindo se os cobertores estão bem, ele diz:

- Ainda que o inverno esteja quase no fim, ainda há vestígios deste, não houve muito sol hoje.

- Você deve estar cansado.

- Estou bem.- Não é mentira, não realmente, ele está bem, um pouco sonolento, mas nada comprometedor.

Tamayo o está observando, mesmo que sua atenção esteja na irmã, ele sente seu olhar, seu cheiro contendo um leve quê de exasperação, até preocupação.

- Descanse essa noite, se tornar imprudente trará mais males que bens.

- Estou bem.- Ele insiste, Tanjiro não está bravo, se algo, ele é grato, já tendo superado o constrangimento inicial de ainda ter alguém que se preocupe por ele.

Depois de sua família, ele não pensou que pudesse haver mais alguém, na verdade, de forma amarga, ele sequer se considerava merecedor, não quando Yoriichi era um amontoado de falhas e promessas sem valor.

- Não ficarei fora por muito tempo.

Tamayo parece resignada ao suspirar, isso o faz se sentir culpado, ao mesmo tempo que a perspectiva de alguém se importar o confortar, ele deseja amenizar o desconforto que suas atitudes geram. O farfalhar de páginas o faz erguer seu olhar, a médica abriu o livro e de lá retira uma única página dobrada, curiosamente, ela a estende para ele que prontamente aceita. Não há nada de especial no papel, os cheiros apagados, enquanto o desdobra, ele a ouve falar:

- Estive debatendo quando ou se deveria lhe repassar a mensagem.- Após uma breve pausa, Tamayo continuou.- Não me entenda errado, não estou ocultando informações de você, mas recebê-la foi uma surpresa em si, uma quê ainda não tenho certeza se seria boa ou má, não quando consideremos tudo o que aconteceu antes.

Sobre isso, ele não a julga, enquanto solve as palavras ali escritas, ele a entende mais que ninguém. Também, Yoriichi não pode dizer que estava surpreso, é admirável que tenha demorado tanto para que aquela carta fosse enviada. O líder do corpo sempre foi alguém especial, o ex-caçador não guarda ódio ou rancor contra o mesmo pelo que aconteceu, por sua família, pelo legado passado ou o corpo de extermínio. Eles fizeram o que julgaram correto, foi o mínimo a se esperar depois de tudo.

Ainda, aquele foi o antes, agora, ele tem mais a considerar, há certas escolhas que foram feitas, promessas que ele não deixaria cair sob um dever cego. Nessa vida, estar com o corpo poderia representar um perigo maior a irmã, ele não os queria como inimigos, mas também não era ingênuo ao ponto de acreditar que apenas palavras assim bastariam, mesmo atos, a verdade era que ele nunca poderia voltar a acreditar completamente neles, não quando seu dever era qual era e ele, e mais importante, sua irmã, eram aquilo que eles caçavam.

- Você aceitará?- Tamayo o questiona quando seu silêncio se estende.

- Sim.

Tanjiro não será um caçador, ele não jurará lealdade a organização, mas ele poderia ouvi-lo. Na carta, o atual líder do corpo o convida para um encontro, para agradecimento, desculpas e colaboração. Colaborar não significa se subordinar, um ano já passou, seu progresso foi lento, ter a rede de informações dos caçadores seria bem vinda. Maquinações não era seu passa tempo, isso era para o irmão, mas Yoriichi não era tolo, há vantagens em aceitar essa oferta, essa bandeira branca hasteada. Da mesma forma, ele tem ciência de que aquilo poderia ser uma armadilha, ele não conhece essa geração, ainda, ele irá, pois qualquer possibilidade de fazer real o cumprimento de sua promessa para com a irmã é válido.

- Não vou dissuadi-lo, acredito que você sabe o que está fazendo, Yoriichi-san.- Seu nome é dito com ênfase, aquele que carrega mais peso, ele entende, ela não discutirá sua decisão, mas isso não significa que ela esteja completamente contente com a mesma.

- Obrigado.- É tudo que ele tem a oferecer e ainda não o suficiente.

Suspirando, Tamayo se levanta com graça, a noite já repousa lá fora. Antes de partir, entretanto, ele a detém por um instante mais.

- Em sua mensagem, você poderia pedir por um encontro durante o dia, por favor?

Ela o olha, ele não desvia. Há tantas apostas sendo feitas, ambos sabiam, ambos lutariam e desejariam o melhor. Se não, eles lidariam com o depois, como vinha fazendo, como sempre fizeram.

- Tudo bem.

Quando Tamayo sai, Tanjiro segura a mão da irmã nas suas, não frio, mas quente, viva. Fechando os olhos, ele se curva, deixando que sua testa repouse por um instante onde suas mãos estão unidas.

- Eu tenho que fazer isso Nezuko, prometo que ficarei bem. Tudo ficará bem.- Ele teme que essas palavras sejam mais para si que para ela, é o que pensa, engolindo em seco.

Dessa vez também não há resposta.

O sono espreita por detrás de suas pálpebras, Tanjiro não se entrega a ele. Com uma reunião para ser marcada, não justificava sua inatividade, ele não podia ser complacente, qualquer oportunidade era uma possibilidade. Respirando fundo, Tanjiro abre seus olhos e se ergue, baixando a mão da irmã de volta para o conforto dos cobertores.

O frio lá fora atravesa mesmo as camadas de tecido, curiosamente, não se equipara ao gelo em seu estômago, ao buraco negro em seu peito. Ele espera que amanhã haja sol, é tudo que ele pode desejar por agora.

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⏰ Última atualização: Apr 08 ⏰

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Sol Nascente (Hiatus)Onde histórias criam vida. Descubra agora