POV Camus

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Eu fui para meu serviço com a cabeça quente. Estavam acontecendo coisas sérias, bem embaixo do meu nariz, e estavam tentando esconder de mim. Pela cara que o Milo fez, eu tinha certeza que ele já sabia de tudo e que era muito mais sério do que eu imaginava. Eu fiquei surpreso ao ver que Milo estava escondendo aquilo de mim. Justo ele que detestava segredos. Para tomar esse tipo de atitude, com certeza era para acobertar algo extremamente grave que Hyoga fizera. Francamente, quando o assunto era Hyoga ele sempre fazia de tudo para evitar que o garoto se encrencasse comigo. Não que Hyoga precisasse desse tipo de “ajuda” muitas vezes, já que nunca foi de ficar aprontando. Mas ele era um adolescente. Volta e meia saía uma resposta atravessada aqui, uma discussão ali e por aí vai. E Milo sabe que eu sou extremamente rigoroso no que diz respeito à disciplina. Por isso ficava acobertando esses pequenos deslizes. Mas dessa vez ele estava agindo totalmente contraditório. Se ele não queria que eu soubesse, por que raios foi falar que eu tinha que ser mais firme com Hyoga e me passar aquele mini “sermão” sobre como educar o nosso filho? Não era ele quem estava passando a mão na cabeça do garoto ao acobertar o que estava acontecendo? Ah! Eu ia demorar para conseguir me concentrar no trabalho de novo!

Abaixei minha cabeça sob a mesa tentando encontrar o foco novamente. Mas estava sendo impossível. O que estava acontecendo de tão sério com Hyoga? O que estava acontecendo com meu filho? Só de imaginar que alguma coisa séria poderia ter acontecido, já sentia meu coração se apertar. Quer dizer, não só porque se tratava do meu menino. Mas também porque aconteceu algo e eu não fiquei sabendo. Quando foi que eu me tornei negligente a esse ponto? Quando foi que eu deixei de prestar atenção no que acontecia em minha própria casa? Isso me deixava frustrado! Seja qual for o problema, eu não teria o menor direito de reclamar, afinal eu não estava lá para poder socorrer meu garoto. E ter que assumir isso doía demais! Milo tinha razão. Talvez eu estivesse trabalhando muito. Quando Milo trouxe à tona, novamente, o fato de eu não ter estado com Hyoga no dia do seu aniversário, doeu em mim. Eu sabia que estava perdendo o contato com Hyoga. Sabia que aquela era uma oportunidade única de poder estar ao seu lado, não como o mestre carrasco, mas como o pai que eu sempre quis ser. E eu estava jogando essa oportunidade no lixo. Droga! Eu detestava quando eu falhava em alguma coisa! E ainda mais falhar com as pessoas que eu amo! Eu já tinha tanta dificuldade em sentir algo assim que, quando sentia, era intenso demais. Por isso eu não me permitia falhar. Mas parece que eu não estava agindo tão bem quanto eu pensava. Droga! Droga!

Levantei minha cabeça e comecei a organizar meu trabalho. Ficar me lamentando agora não ia resolver nada. E eu nunca fui de lamentar, não seria agora que eu o faria. Eu tinha que me acalmar. Mais tarde eu conversaria com Hyoga e Milo e resolveria tudo. Também ia pedir minhas férias. Eu não podia deixar Hyoga sozinho, agora que sabia que ele estava com problemas. E não era possível que não existia ninguém naquela fundação que não conseguisse fazer meu trabalho por um mísero mês. As coisas se ajeitariam. Ah! Isso eu garantia! Comecei a fazer meu trabalho. Se eu ia tirar férias, pelo menos ia adiantar alguma coisa. Comecei a trabalhar o mais focado que eu conseguia. Se eu continuasse no mesmo ritmo da manhã, com certeza conseguiria terminar o que tinha de urgente até o dia seguinte. Então, mais um dia de trabalho seria suficiente para adiantar outras coisas.

Nem vi o tempo passar. Já estava na hora do almoço. Será que Hyoga viria como sempre? Tenho que admitir que fiquei mal acostumado. Ele vinha todos os dias trazer almoço para mim só por saber que eu não gostava da comida do refeitório. Parei um pouco meu serviço, apenas para esperar pelo meu garoto. Peguei a foto que estava no porta-retratos perto do meu computador. Era uma foto antiga, de quando Hyoga ainda era bem pequeno. Naquela época ele era muito determinado, apesar de ser extremamente sentimental. Ele não chorava nos treinos, não reclamava do que eu lhe ordenava fazer, não fazia manha, nada desse tipo. Mas todas as noites ele chorava. E eu sabia que era por falta da mãe. Porém, tudo que eu podia fazer na época era olhar de longe. Sempre senti pena daquele garotinho. A maioria dos aspirantes a cavaleiro era órfão, mas não era comum terem conhecido os pais. Eu mesmo não conheci os meus. Hyoga teve o prazer e o desprazer de ter conhecido a mãe. E isso o transformara naquele garoto melancólico. Não mudara nada! Continuava sendo. Pensar nisso me fez sorrir. Era meu Hyoga, meu garotinho! Ele ainda era o mesmo.

Aprendendo a ser paiOnde histórias criam vida. Descubra agora