Medelín

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Sentada na cadeira de casa, eu observava pelo espelho meu reflexo. Apesar dos cabelos caírem ao meu lado, eu dava mais atenção as linhas do meu rosto. Junto a elas, eu reparava no rosto da minha mãe que estava logo atrás de mim, e em como nossas linhas eram parecidas.

Nosso nariz fino, o contorno marcante nos lábios e até mesmo as olheiras mais amarronzadas eu tinha herdado dela. São os traços que nos ligam que despertam um sorriso em mim.

Pra mim era um elogio ser parecida com minha mãe.

- Espero que esse sorriso signifique que está gostando do corte. – Dona Laura diz chacoalhando meu cabelo depois de apoiar a tesoura na mesa ao lado. – Se ficar torto a culpa é sua.

- Não vai ficar torto... – Dou risada dela e do seu jeito espontâneo.

- Está bom assim? – Ela para de mexer no meu cabelo e olha atenta pro espelho a frente.

Nós tínhamos improvisado um salão para ela cortar o meu cabelo em casa. Coloquei o espelho do quarto na sala, puxei uma cadeira para eu sentar e uma mesinha para ela colocar a tesoura e o pente.

Depois de lavar o cabelo no banheiro, minha mãe cortou meu cabelo que estava bem longo, quase na cintura. Agora ele estava próximo aos ombros.

- Está perfeito. Obrigada, mãe.

- Não sei como teve coragem... seu cabelo estava tão comprido, Toni.

- Cabelo cresce. Eu não iria ficar usando peruca para gravar um filme todo. Foi melhor assim. – Digo puxando o celular da mesinha ao lado e tiro uma foto para mandar para Anne, a diretora do filme.

"O que acha? Está bom assim?" – Envio na mensagem para ela junto com a foto.

- Se ela falar que não está bom, você vai num salão! – Minha mãe resmunga já ajeitando a bagunça que fizemos.

- Não mesmo! Só você corta meu cabelo.

E era verdade. Desde criança, somente minha mãe mexia no meu cabelo. Era assim sempre. Eu não gostava que outras pessoas mexessem nele.

- Falando assim até parece que eu sou cabelereira.

- Mas é artista plástica. Você tem jeito para trabalho manual. Por isso é tão boa. – Digo me levantando da cadeira e abraçando minha mãe.

- Ah ta. – Ela resmunga beijando minha bochecha. – Puxando meu saco pra não precisar pagar pelo trabalho...

- Vou pagar uma cerveja pra gente no bar hoje. Pode ser?

- Ainda bem que você conhece sua mãe.

Dou risada da dona Laura já sabendo que a noite toda seria uma comédia. Minha relação com minha mãe era ótima.

Eu com meus 25 e ela com seus 40. Ela sempre com um alto astral e uma beleza ímpar. E isso claro era um elogio pra mim também, já que somos muito parecidas fisicamente.

Ela era minha melhor amiga, a pessoa que eu compartilhava tudo da minha vida. Tudo mesmo. Até as relações amorosas com os namorados, os problemas do trabalho, as inseguranças...

Por conta disso, vivíamos muito perto uma da outra. Literalmente. Ela no nono andar do prédio e eu no décimo do mesmo.

- Oi, cheguei! – Roger diz entrando no apartamento da minha mãe onde estávamos. Ele era o namorado americano dela. Os dois moravam juntos ali. – Trouxe sua bombinha da farmácia. Uau! Gostei do cabelo, Toni.

Ele me entrega a sacola com minha nova bombinha de asma.

- Ah, que bom. Obrigada, Roger. Quanto foi?

Behind the scenesOnde histórias criam vida. Descubra agora