3. Camila de Assis

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Quando acordei ela já havia ido, mas não me chateei. Ela deixou pronto meu café e minha marmita, não escutei nem um barulho sequer, as vezes me impressiono com o meu sono pesado. Agradeci mentalmente pelo feito de Katarina e fui me trocar.

Após eu vestir meu uniforme, eu limpei meu olho e troquei o tampão, tranquei a porta, deixei a chave em uma das plantas e fui pelo portão de baixo.

No caminho do mercado em que trabalho não me senti observado, o que fez eu me acalmar. Sou repositor, as vezes acho satisfatório ver tudo arrumadinho.

Eu estava começando a repor outra caixa quando meu patrão passou por mim e disse que se eu continuasse sendo esforçado desse jeito, ele conseguiria comprar outro carro até o final do ano.

Eu tinha ouvido falar que ele havia aparecido com um carro novo e aparentemente muito chique, mas não cheguei a ver. Acho incrível como ele consegue comprar tanta coisa enquanto eu me sustento com um salário mínimo e com a ajuda do pessoal. Apesar de tudo isso, sou grato pelo meu trabalho, pois eu acredito que é o único lugar que não ligaram para a minha aparência quando me contrataram.

                                  [...]

Eu acabei de sair do mercadinho, vi uma multidão se juntando e fiquei curioso sobre, então resolvi ir dar uma olhada.

É o Benedito, o senhorzinho que as vezes está super atrasado nas notícias da semana e as vezes está extremamente a frente, com notícias que nem chegou a se espelhar pela vila, ainda.

Peguei um dos panfletos, Benedito fazia de tudo sozinho e depois tirava xérox para espalhar, era o hobby dele. No papel com as letras miúdas de Benedito, informava que a vizinha dos gatos se mudou, que dona Margarida começou a fazer bolo, que acharam uma antena de barata no pão da padaria do Romero e muitas outras fofocas, virei a folha onde normalmente fica os assuntos mais pesados e lá estava: o mau cheiro era um crime, dizia sobre Helena, olhei a última notícia, o título era: a violência que resultou na morte de Camila de Assis. Imediatamente fiquei preocupado, pois eu conheço uma Camila de Assis e ela me ajuda em bastante coisa. Corri para a minha casa para ver se alguém tinha me informado sobre, já que eu não sou de sair com o celular. Peguei a chave que estava nas plantas e abri a porta.

Havia uma ligação perdida de um número desconhecido, acredito que tenham ligado para os três, também.

Retornei a ligação e no mesmo instante ela foi atendida, comecei a gravar nossa conversa para Alex, William e Nicoly escutarem depois.

A voz do outro lado da linha suspirou:

–Atacaram um dos nossos, senhor veríssimo –Sentei no sofá após ouvir as palavras que saíram de sua boca.

Ele continuou

–A imprensa chegou primeiro, senhor, peço perdão por isso.

–Tudo bem –Digo com a voz entalada na garganta.

–Irá passar sobre o ocorrido no canal dois –Ele avisa.

–Só um minuto –Vou para a salinha e ligo a televisão.

A moça dizia:

“Hoje de madrugada ocorreu um crime brutal. A vítima foi Camila de Assis. Ela estava fazendo seu trabalho como normalmente era feito. A polícia estima que foi entre duas e três da manhã que Camila fora abusada de diversas formas.
É vergonhoso que ainda exista esse tipo de preconceito, Camila era conhecida pela maioria das pessoas aqui da vila, descrita como cuidadosa, amorosa, amigável e inteligente. O que aconteceu com essa jovem não é algo que se descreva aqui. O criminoso está foragido, não fora deixada nem uma única pista nessa cena criminosa, a polícia local já disponibilizou grupos para a procura desse sujeito que deve e vai pagar pelo o que fez. A qualquer momento traremos mais informações. Boa tarde."

O assunto foi terminado e passaram a falar sobre outros ocorridos.

Dessa vez sou eu quem suspiro.

–Ainda estou aqui –Aviso a pessoa do outro lado do telefone, e então ela começou a passar as informações que haviam conseguido.

–A autópsia diz que as armas usadas contra Camila foi, provavelmente, um pedaço de madeira, pedras e uma faca, infelizmente nem um deles foi deixado no local. Camila estava bem de vida, não sabemos o que ela fazia de madrugada e sozinha numa rua deserta, e nós não achamos que ela tenha voltado para o mundo da prostituição como ficou parecendo na reportagem. Não foi dito na televisão, mas no site deles foi falado que a polícia não tem provas suficiente para dizer que o crime foi motivado por transfobia, mas nós conhecíamos ela, convivíamos com ela, embora Camila tenha sido amada por muitos daqui, ainda tinha gente para fazê-la lembrar dos problemas que ela tinha que enfrentar em vida. Camila era e ainda é muito importante para nós, imagino que mais ainda para o senhor. Pegamos o celular de Camila quando olhamos a casa dela mais cedo, não esperávamos que ela tivesse saído sem ele, como você era mais próximo dela do que qualquer outra pessoa, o senhor gostaria de mexer nele? –A pessoa perguntou mostrando que se importa.

–Não. Por favor –Digo a ela para fazer o que for preciso, sem deixar rastros.
A chamada foi encerrada.

Após trinta minutos eu consegui nos reunir. Já estavam todos sabendo o que aconteceu, então eu apenas coloquei o áudio gravado para eles escutarem, por sorte a voz da jornalista pegou bem na gravação. Ouvimos em silêncio, no mesmo padrão, William do lado de Nicoly, Nicoly com seu chá e seu notebook, Alex do meu lado com sua coberta e eu? Eu estava pensando, distraindo minha mente para não acumular raiva.

–Nada de testemunhas? –William pergunta.

Aceno com a cabeça que não.

–Impossível, e os motoqueiros que sempre estão por aí nesse horário? Não investigaram direito. –Esqueci de dizer que Alex tem o sono leve.

–Eu cuido dessa parte –William diz decidido. –Talvez o seu Benedito saiba alguma coisa.

–Vou junto com você, com a justiça que temos, duvido que tenham investigado a área direito –Alex diz.

–Irei esperar para ver se encontraram alguma coisa no celular de Camila. –Digo.

–Bom, acho que Jake precisará de mim –Nicoly falou e deu uma bicada no chá.

Rimos juntos e em seguida Alex e
William saíram. Me deitei no sofá e coloquei o chapéu em meu rosto para esperar a chamada com a próxima informação. Fiquei pensando na injustiça que Camila teve de passar, na tamanha dor que ela sentiu, mesmo com tantas preocupação, Katarina Fedorova jazia em minha mente.

Nossos telefones tocaram, ouvi o toque por um segundo e Nicoly atendeu.

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