Terceiro capítulo

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DIEGO

Quando o entregador chega, e Amaury insiste em descer para buscar a comida, tenho a oportunidade de reparar melhor no ambiente.

Deslizo meus dedos pela prateleira de livros com diversos títulos em português e uma vasta coleção de livros culinários nas mais diversas línguas. A música ambiente alternava entre diversos cantores, sempre permeando pelo MPB e rock clássico.

Os acordes de Sujeito de Sorte começam e eu fecho os olhos sentindo a batida me invadir.

— Presentemente, eu posso me considerar um sujeito de sorte, porque apesar de muito moço, me sinto são, e salvo e forte. — Fecho os olhos sentindo a letra.
— E tenho comigo pensado, Deus é brasileiro e anda do meu lado. E assim já não posso sofrer no ano passado. — A voz de Amaury ressoa quando ele abre a porta adentrando o apartamento.

Sorrio quando nos olhamos. Amaury segura a comida com uma mão e a porta com a outra, me encarando por alguns segundos.

— Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro. Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro! — Cantamos juntos.
— Fico feliz que você tenha gostado da playlist! — O sorriso se alarga quando balanço a cabeça.
— Muito boa, quero o link depois!
— Vou te mandar. — Ele encosta a porta — Vamos comer, chegou quentinho.

Concordo e observo Amaury apoiar a sacola na mesa que já estava arrumada. Ele caminha pelo ambiente pegando o vinho e as taças, me sento e observo ele nos servir tanto o macarrão a carbonara quanto o vinho branco.

— Um brinde ao fortalecimento das amizades. — Ele sorri.
— E aos novos recomeços. — Complemento.

Damos um pequeno gole no vinho e jantamos a base das histórias dele do início da carreira na culinária.

***

AMAURY

Os pratos já haviam acabado e Diego havia insistido em lavar a louça, observo da porta ele esfregando os pratos.

— Então quer dizer que você fez estágio de cozinha Francesa com o Jacquin?
— Sim, já estava acostumado com Chef linha dura.
— E ainda assim o Jeremiah te traumatizou, para você ver que ele não é linha dura, é só babaca mesmo. — O tom de voz dele me faz rir.
— Acontece...
— Mas não deveria, Amaury. Para corrigir, ou orientar, não precisa de grosseria.

Fico em silêncio enquanto Diego termina de organizar a pia. Ele se vira cruzando os braços e nos encaramos por alguns segundos.

— Qual foi a coisa mais feliz que aconteceu contigo envolvendo culinária?

A pergunta me pega de surpresa e fecho os olhos tentando elencar os acontecimentos.

— De maior reconhecimento foi ter recebido o prêmio de Chef Revelação do Ano. Mas, a que me deixou mais feliz, foi preparar com exatidão uma ceia de natal como a minha avó preparava para a minha mãe.

Diego sorri e inclina a cabeça levemente para o lado.

— Sério? Como foi?
— Minha avó faleceu quando minha mãe ainda era jovem, por volta dos 35 anos, eu já havia nascido mas era muito jovem, tenho poucas lembranças.

Inclino a mão em direção a sala e nos sentamos, Diego no sofá e eu na poltrona. Nos olhamos por alguns segundos. E continuo.

— Todo natal minha mãe dizia que a comida estava boa, mas não como a da minha avó dela. Eu encontrei o livro de receitas da minha vó e consegui, com estudo e muitas tentativas, reproduzir todos os pratos com exatidão. Minha mãe chorou, disse que parecia que minha avó estava na mesa conosco. Ela comeu tão intensamente que me emocionou. Foi uma das minhas melhores realizações, poucas coisas me emocionaram tanto quanto ver a conexão afetiva dela com o alimento.
— Que coisa mais linda, Amaury! Que lindo! — Ele sorri emocionado e eu respiro fundo.
— Foi muito especial mesmo.
— Viu porque você não pode desistir da culinária? Se você desistir não poderá viver novos momentos dessa forma.
— Eu... ah, Diego.
— É sério! Eu entendo você estar abalado, eu, com absoluta certeza, também estaria. Mas, precisamos reverter isso. Seja na terapia, seja tentando novamente.
— Eu não consigo, Diego.
— Me ensina a cozinhar? É sério, eu sempre tive vontade de aprender e você sabe ensinar. Me ensina, isso vai te reconectar e tirar essas amarras.
— Eu não sou bom o suficiente para ensinar.
— Porra, Amaury, você acabou de me falar que ganhou o prêmio de Chef Revelação do Ano, como você não é bom? — Diego ergue uma sobrancelha questionando.
— Eu...
— Você nada, quer saber? Tô determinando. Você vai me ensinar. Sábado estou aqui, vamos fazer um almoço, você vai me ensinar. Ponto final.

Chef - Dimaury 🔞Onde histórias criam vida. Descubra agora