XV - Sorte

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O caminho até a casa de Pepper é feito de forma surpreendentemente confortável. É quase como se fosse um hábito, algo com o qual eles já estão acostumados. Enquanto Tony dirigia, focado na direção e fazendo comentários totalmente sem graça sobre as ruas de New Jersey, a ruiva comandava a rádio, reclamando do péssimo gosto musical do colega de trabalho. Quando se parava para pensar, era realmente impressionante o avanço que tiveram para que pudessem chegar ali naquele momento. Das reuniões intermináveis no RH diretamente para caronas amigáveis.

— Você não está com tanta sorte hoje. -A mulher comentou quando o neurocirurgião estacionou na ampla garagem. — Todos já foram, e julgando pelas luzes apagadas, seremos só a gente e o vinho. Ou talvez algo mais forte, acho que depois de toda a história que ouvimos, precisamos.

— Mas quem disse que isso é azar? -O moreno retrucou, recostando-se ainda mais contra o banco do motorista e inclinando a cabeça para poder melhor olhá-la. — Está parecendo que sou sortudo demais. -Completou.

E o comentário, obviamente, acendeu uma lareira no peito de Pepper, fazendo-a prender a respiração e o coração errar algumas batidas. Ela facilmente poderia se acostumar a ouví-lo dizer coisas assim com mais frequência.

— Sempre dizem que no final do dia tudo é sobre o ponto de vista. -Desconversou, porque ficou completamente desestabilizada para conseguir pensar em qualquer resposta boa o bastante para dar a ele.

Tony gargalhou, jogando a cabeça para trás, completamente rendido por aquela mulher. — O problema, Potts, é que você fala muito e age de menos. -Provocou, recebendo um tapa no ombro e um olhar mortal na sequência.

E como já estavam acostumados a fazer, não seria surpresa se uma discussão fosse iniciada entre eles, mas as coisas definitivamente já não eram como antes, por isso a ruiva só riu, descendo do carro e passando a ser acompanhada por ele ao seu encalço. Os adultos entraram na casa escura a passos cautelosos, com a mulher o guiando até o pequeno aparador de bebida posicionado no canto esquerdo da cozinha, enquanto o moreno aproveitava para observar os detalhes dos cômodos por onde passavam. Era sua segunda vez ali em questão de horas, mas alguns detalhes já pareciam diferentes.

— Whiskey? -Pepper perguntou virando-se para ele.

— Aceito o mesmo que você for beber. -Tony respondeu.

— Então, whiskey, dose dupla, puro e sem gelo. -Informou.

— Uau, garota de gostos fortes.

— Isso é um problema, Stark? -O indagou.

— Muito longe disso, Potts. -Falou aceitando o copo de bebida que ela lhe entregava e dando os primeiros goles no líquido de cor âmbar. A ruiva fez o mesmo e então eles foram para sala, sentando-se no sofá de frente a lareira, pois o clima gritava por algo mais aconchegante do que apenas cadeiras frias em volta de uma mesa.

Mais confortáveis, eles tomaram as primeiras doses quase tão rápido quanto o copo foi enchido, passado para terceira, quarta e quinta na sequência. A mulher estava certa quando disse que o dia pedia por algo mais forte do que vinho, sentir a garganta queimando era um requisito para que pudessem conversar sobre tudo que ouviram que Mia naquele quarto hospitalar. Será que com o tempo ficaria mais fácil encarar aquela história?

Eles conversaram sobre os jovens, sobre tudo que envolvia o caso, e acabaram percebendo que nunca haviam chegado naquele nível de conexão antes, de entendimento mútuo, de poder falar até mesmo sobre assuntos mais complexos e delicados. Porque Tony, por exemplo, nunca imaginou que poderia estar falando sobre porque escolheu passar aquela noite de Natal em plantão no hospital, sobre como a perda dos pais e o divórcio o marcou de tal maneira para que a decisão sempre soasse óbvia. Pepper, da mesma forma, nunca sequer considerou que um dia estaria contando para ele sobre o pai dos seus filhos, mas ali estava ela, explicando como fazia questão de que as crianças nunca sentissem falta da figura que recusara ser pai delas, como queria que seus filhos jamais ficassem marcados por isso. Desde então, cada evento, cada data, cada momento era vivido ao máximo, para construir memórias únicas e significativas. Apesar de tudo, ou talvez por causa de tudo, eles estavam finalmente na mesma página. Não existiam muros que não pudessem ser pulados ou cercas que não pudessem ser cortadas.

Hearts and ScalpelsOnde histórias criam vida. Descubra agora