Capítulo 2: O Palácio do Alvorecer

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     Arrumei os pentes que prendiam meu cabelo no coque deslumbrante. Dakoria me deu de presente para a ocasião, uma benção de forças e sorte para minha primeira grande missão sozinha. Era revigorante tê-los em minha companhia novamente, há 40 anos minha família acompanhou-nos para a grande capital para que morassem conosco. Mesmo que nunca fosse ser a cidade que eu via em meus sonhos, Kuarczaard se tornou mais que o esqueleto que foi quando me mudei para cá, e era parte da minha vida, logo, foi com alegria que abri as portas de minha casa e mostrei a cidade que vi crescer à toda minha família.

     Ainda hoje era estranho pensar que meus primos viviam comigo no palacete no nível 2. A cidade comemorava 135 anos hoje, considerando quando foi "inaugurada", o que queria dizer que eu morava ali já há 140 anos. Olhos vermelhos me tiraram de meus devaneios mais uma vez enquanto nossa carruagem nos dirigia à entrada do nível 1 de Kuarczaard. A rampa subia como um longo caracol e guardas vigiavam todo o caminho de pedra natural da Torre do Deserto. Apesar do parapeito ter sido claramente esculpido e os postes de indução mágica serem uma novidade recente, tudo ali é muito mais belos do que na maior parte da cidade. Era possível que até três carruagens passassem, isso somado às calçadas largas com bancos de tempos em tempos aqui e ali junto a árvores que refletiam a luz do fogo dourado dos postes em suas folhas.

     — Sabe o que tem de fazer, certo? — Desviei o olhar da janela, minha mãe sempre foi uma mulher deslumbrante, nunca se abalava. Mas eu conseguia ver uma inquietação em seu olhar, mesmo que fosse bem escondida. — Lembre de que você é capaz de qualquer coisa desde que tenha nosso fogo em sua alma e nossas lições em sua mente.

     — Sim, eu ficarei atenta, mãe.

     Alisei meu vestido em um gesto controlado, era mais simples do que eu geralmente gostava de usar, o preto fluido, as pedras negras foscas que compunham o corpete, as mangas de sino elegantes, corte simples. Mas nunca me senti mais chamativa, mesmo que me faltasse as jóias adornando. Tudo para que eu passasse despercebida, tudo pelo sucesso da missão e, no entanto, cá estou eu, imaginando como seria fácil me pegarem.

     O caminho inclinou um pouco mais e sentimos um solavanco suave no momento em que chegamos finalmente ao nível 1 da cidade. O topo da Torre do Deserto era magnífico em sua vista natural para o deserto. Parecíamos mais próximos do céu do que da terra, o sol ainda não havia começado a se pôr e sua luz fazia o grande labirinto de espelhos d'água brilharem como mil sóis e refletirem a imagem do palácio dourado. A vegetação tão bem cuidada do local fazia parecer que estávamos no reino dos deuses, — embora soubéssemos a miséria que o povo passava enquanto aquela água e aquelas plantas viviam ali — mesmo que não pudéssemos usar tal comparação. O Império decretou que os deuses não eram mais do que invenções de mentes conturbadas, desde então, o povo segue o pensamento: talvez existam deuses, mas nós não somos capazes de compreendê-los. Uma afronta e depois uma verdade.

     Entretanto, a vista com espelhos d'água e vegetação apenas adornava o Palácio do Alvorecer, feito de pedra de oásis branca com vidro de dragão, a construção parecia mais uma cúpula de vidro dourado, refletindo como ouro semi transparente e pérola contra a imensidão do céu azul sem nuvens. Se eu não fosse capaz de ver a mácula daquele vidro de dragão, acharia belo. Se não fosse capaz de ver a forma como era apenas em parte o verdadeiro vidro, como a aura era quebrada e raivosa. O que tinham feito para conseguir aquela quantidade de luxo?

     Enquanto a carruagem dava a volta para que tivéssemos acesso a entrada do palácio, ajeitei meu cabelo de forma que as mechas soltas tampassem minhas orelhas levemente diferentes das de um elfo. Draconatos e dragões não eram vistos pelo povo do império há quase 400 anos, o que dava a nós, infiltrados na capital, a possibilidade de nos passarmos por altos elfos puros. Tudo o que tínhamos de fazer era tomar cuidado em mostrar apenas nossa aparência mais mundana e tirar a atenção dos pequenos detalhes, como nossas orelhas levemente mais finas e recurvadas nas pontas, ou nosso peso excessivamente maior, ou ainda que nossos dentes são levemente mais pontiagudos.

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