— Eu deveria ter convidado a senhorita para uma tarde no palácio, teríamos nos divertido bastante. — A Imperatriz me dizia enquanto eu organizava, diante de mim, os documentos que tinha roubado do palácio para que eu pudesse compreender melhor. Aquela lista de nomes...algo nela me causava estranheza. — A Malila...o Dumon. Ele é confiável?
Elevei meu olhar fitando-a atentamente. Era o questionamento que rondava minha mente nos últimos dias. Dumon parecia capaz de matar qualquer um sem pensar nas consequências, sem entender o peso de uma vida, era egoísta em suas motivações, queria ter sempre a palavra final, era arrogante e fazia tudo sem sentir qualquer necessidade de explicação ou sequer um pedido de ajuda. No entanto, ele conseguira boas roupas para mim, comprou comida, me escondeu dos guardas, ajudou a cuidar dos ferimentos e não reclamou uma única vez.
— É algo que ainda estou analisando, senhora. Dumon parecia apreciar bastante sua pessoa, apesar de não ter se...revelado. O fato de ser um metamorfo aumenta suas suspeitas, inclusa a questão de ser um bruxo com um pacto que se recusa a explicar a alguém. Demonstra ainda menos vontade em falar sobre a habilidade de produzir objetos reais a partir de suas pinturas. — Quanto mais eu falava, mais sentia que não deveria confiar. — Mesmo assim, estamos juntos aqui, vivos e relativamente seguros. Vossa Senhoria o conheceu mais do que eu, o que acha?
— Ele não parece diferente de antes. Claro, se esquecermos a voz e o corpo. — Vi-a jogar o lençol para o lado e realizar grande esforço para puxar Boran para junto de si. Ele logo se aconchegou à lateral do corpo humano e frágil da Imperatriz. — Mas me ajudou de verdade. Ainda está ajudando.
Olhei para a janela, já era noite lá fora. Mais um dia havia se passado, nos aproximando do seguimento às investigações...que eu não conseguia entender bem onde levariam. Olhei novamente aquela lista e o bilhete, memorizando os nomes, as datas, a caligrafia. Algo sobre AQUILO não estava certo. Dobrei os papéis, era irônico olhá-los na frente da Imperatriz, mesmo que ela não se importasse, ou talvez não fazia a menor ideia do que eram.
— Me preocupo com Dir'nur também. — Liene falou baixinho. — Acho que ele não quer ver o óbvio. Eu também gostaria de não ser capaz de enxergar.
— Do que está falando, Minha Senhora? — Ela sabia de algo que eu não captei. Absorta em seus pensamentos, Liene falava palavras desconexas para Boran que relaxava confortavelmente ao seu lado. — Dir'nur vai precisar de muita ajuda quando a hora chegar...e talvez eu não esteja aqui para ajudar.
Humana. Uma humana vivendo casada com um elfo e amiga de um semi-elfo. A pouca idade da mulher me pareceu triste, ela teria que fazer tudo o que quisesse com tanta pressa, viver o que pudesse sem brechas para erros e, mesmo assim, tiravam dela a chance de uma jornada tranquila. Repentinamente, quis resolver todos os problemas de sua curta vida de uma vez. Ela se mostrou tão alegre e genuína que, depois de um dia conversando, poderíamos realmente ter-nos tornado mais próximas em outras circunstâncias, quem sabe até mesmo amigas.
— Vou ajudá-la, Vossa Majestade. Enquanto eu tiver em meu coração a certeza da bondade em suas ações, estarei contigo, como amiga ou aliada, ainda não o posso dizer, mas algo me diz que nós duas estávamos destinadas a nos conhecer.
Ela me olhou um pouco espantada, antes de abrir um sorriso brilhante. A Imperatriz era uma mulher simples e se Dumon via o valor em uma mulher humana com toda sua simplicidade, quem sabe ele fosse alguém em quem se poderia confiar? Levantei guardando os papéis em uma bolsa de pano velha que Dumon me deu. Fui até a janela afastando a cortina levemente e olhando ao redor, ninguém no beco escuro.
— Acho que podemos melhorar um pouco a sua forma de falar. — A conversa foi tão estranha que quase não notei que se dirigia a mim.
— Perdão? — Pisquei rapidamente, desconcertada com o tópico inusitado.
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Império de Yggdrasil
FantasyNo coração do mundo, rodeado de mares poderosos e antigos, um continente árido e impiedoso carrega mistérios e perigos que ameaçam a existência de toda a dimensão. Malika e Dumon, dois nobres com valores e ideais opostos se vêem presos a uma dura re...