Eu fui embora

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P.O.V

NEIL


Eu observava de longe o sol nascer, atravessando sutilmente minha janela como se pedisse permissão para passar. Eu estava encostado na parede abraçando meus joelhos. Uma posição confortável e recorrente. O celular ao lado.

Era eu por mim mesmo. Foi assim desde que minha mãe se foi e desde que eu fui embora.

Buscar conforto em mim mesmo, claro que eu nunca conseguia, mas é o preço que eu pago.

Eu escolhi isso, não foi?

Eu me acostumei em ter nada a minha vida toda. Era apenas sobreviver e correr e fugir. Olhando sob os ombros a cada instante, observando as saídas, me contentando em viver mais um dia, cada segundo importava.

Mas então tudo parou de forma tão súbita. Minha mãe estava morta ao meu lado e eu tinha seu sangue em minhas mãos. Sua voz ecoava em minha mente, as suas últimas palavras, elas não eram de conforto, eram ordens, sobreviver, fugir, correr.

Nos últimos momentos dela, ela queria que eu continuasse com tudo isso, mas como eu conseguiria sem ela? Se ela era a única coisa que eu tinha? Era a única que estava ali comigo.

Ela não era a melhor mãe do mundo, mas era a única que eu tinha, a única família que tive.

Consigo lembrar vividamente da textura da areia em meus dedos e em minhas vestes, assim como consigo lembrar muito bem do barulho que seu corpo fazia enquanto queimava junto do carro.

Eu não tinha nada.

Não tinha mãe.

Amigos.

Uma história.

Eu era um nada.

Como eu poderia viver com isso?

Então eu fui lá e fiz o que ela não queria que eu fizesse, fui jogar exy, afinal... Era a única coisa que eu poderia fazer.

Foi a melhor e pior decisão que já tomei em toda minha vida. Eu entrei para as raposas sabendo que tudo teria fim, sabendo que eu tinha um prazo de validade, um prazo de vida.

Era só questão de tempo até que tudo desabasse e claro que foi tudo culpa minha.

Doeria menos se eu não tivesse me apegado, se eu não tivesse amado as raposas como minha família, se eu não tivesse amado Andrew como se fosse o amor da minha vida... E ele era e ainda é... Mas claro que eu fiz tudo ruir e despedaçar.

Eu não queria arriscar que ele morresse por minha causa, então eu quebrei algo que era importante pra ele. Eu sabia que não deveria ter aceitado a promessa nem quebrado ela, mas foi o que eu fiz e eu paguei o preço disso.

Na verdade eu não esperava sair vivo, esperava morrer pelas mãos do meu pai.

Mas eu sobrevivi e um tempo depois eu estava ajoelhado no chão com ele, suas mãos tocavam meu rosto com uma delicadeza que não combinava com a fúria de seus olhos, a fúria que ele sentia de si mesmo. Em seus rosto eu podia ler a mágoa, podia sentir tudo o que ele não disse, ele queria me proteger e teria dado sua vida pela minha e eu não poderia em hipótese alguma aceitar isso.

Em seus olhos eu via o amor e a dor mesclados em sua íris, seus olhos umedeceram ameaçando um choro que não combinava com ele. Eu sabia que ele não me perdoaria, mas pelo menos ele estava vivo.

Ele não me pediu pra ficar.

Eu sabia que ele não conseguiria.

Então eu fui embora.

Eu sei que o erro foi meu, mas meu amor por ele nunca foi embora, mesmo depois de anos.

Tudo me lembra ele, como os raios dourados do sol que entram pela janela, refletindo exatamente onde deveria, em ladrilhos alaranjados que me lembram seus olhos. Toda vez que subo no terraço e me sento na beirada é como se ele estivesse do meu lado. Comprei braçadeiras, como as dele, pra ter mais uma parte dele comigo e talvez eu tenha começado a fumar de verdade por causa dele... Ou da ausência dele.

Eu sei que foi tudo culpa minha, eu esperava ter morrido e talvez teria sido melhor... Eu não teria visto a dor nos olhos dele, não teria causado dor a ele.

Mas essas foram as consequências dos meus atos, eu sei.

Mas eu o amo.

E todas as noites eu seguro o celular em mãos, olhando fixamente para o espelho, pensando em ligar pra ele, mas eu sempre desisto.

Talvez ele esteja melhor sem mim.

Não vou estragar tudo de novo.

Eu vou amá-lo, mesmo que ele não me ame de volta.

A noite - AndreilOnde histórias criam vida. Descubra agora