Joseph Descamps
A cabeleira loira e chamativa de Michéle estava espalhada por todos os lados, enquanto a garota repousava a cabeça em minhas coxas, com o restante do corpo deitado naquele banco de praça antigo e coberto de vegetação. Sua respiração estava serena, mas seus olhos brilhantes e atentos se ocupavam em analisar cada detalhe do meu rosto. Cada ruga precoce, cada pinta, a coloração exata de todos os meus tons e o comprimento do meu cabelo. Ela não deixava passar nada.
A semana anterior seguiu um tanto quanto cansativa. As provas vieram a todo vapor, sem possibilidade para utilizar qualquer tipo de freio e o medo da reprovação antes do tão esperado recesso escolar fazia todos nós perdermos o sono durante a noite. Meu escape eram os lábios rosados mais lindos e delicados de toda a França. De todos os países do mundo. Lábios generosos capazes de me acalentar e mitigar qualquer catástrofe já ocorrida em minha mente bagunçada.
Gradativamente, porém de maneira rápida e desastrosa eu já estava preso a ela. A boa iluminação do dia me permitia enxergá-la de maneira íntima e intrusiva. Eu conseguia enxergar sua alma. Ela estava igualmente presa a mim, com muitos nós incapazes de serem desatados.
- Feliz pelo recesso? - A praça abandonada no coração daquela floresta não muito extensa começava a ser o cenário de muitos momentos nossos.
- Em êxtase, mas estou cansada demais para demonstrar minha animação.
Seus olhos se fecham e ela ainda respira calmamente. Tão tranquila e quieta que sua paz invade meu corpo e minha mente, me fazendo refletir finalmente sobre o futuro. Sobre ter mais momentos como este.
O tão incerto futuro. O qual você pode planejar, se esforçar e premeditar todas as suas ações, mas nada disso garante o resultado esperado. Como não ter uma crise existencial fodida ao pensar nisso?
- Loirinha… - Eu chamei sua atenção ao iniciar uma conversa. Os olhos de vidro passaram a me vigiar atentamente novamente, esperando que eu dissesse algo.
- Uma casa no campo aconchegante… com muito verde. Parece bom para mim.
A menina dos meus antigos pesadelos e atuais e mais profundos e honestos sonhos e desejos senta-se rapidamente e me olha com seriedade. Como se a sentença anterior tivesse sido um pedido de casamento. O clima despreocupado se tornou um tanto tenso.
- O que isso significa? - Ela estava incerta, em busca de confirmações. Clamando pelas minhas confirmações sobre o impetuoso futuro.
- Significa que, se você também quiser - eu segurei suas mãos frias e olhei em seus olhos cristalinos - nós podemos tornar isso sério. Eu quero ser seu, querida.
Michéle não fez menção de dizer algo, então dei continuidade.
- Quero poder dizer a todos que estou comprometido com a melhor de todas. Quero que daqui há um ano e oito meses, quando sairmos daqueles portões pela última vez, ter a certeza de que ainda vou estar com você. Você chegou agora e criou uma tempestade em toda a minha vida, mas me viciou nos seus contrastes.
- Isso é… muito sério para afirmar assim.
- É porque tenho certeza do que eu quero.
Segurei seu rosto em minhas mãos e suspirei fundo.
- Mudei da água para o vinho em questão de poucos meses e sem perceber. Por sua causa. Não me arrependo.
Os sentimentos conseguem transbordar as barreiras de seu interior, logo seus olhos estão molhados e seu corpo treme levemente em provável ansiedade.
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Mixte 1963
FanfictionO Instituto Voltaire antes somente para meninos aderiu uma nova política de admissão: agora tornaria-se um colégio misto, forçando garotos acostumados a lidarem apenas com o mundo masculino, de repente, estarem rodeados de saias, laços e atrevimento...