Capítulo 8 - Agridoce, infernal e viciante

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“Michéle! Já está na hora de levantar, criança” - Ouço minha mãe me chamando impaciente colocando apenas a cabeça para dentro do meu quarto.

- Ah sim. Eu já vou descer - Com o corpo completamente mole e preguiçoso, eu me levantei para escolher um vestido para o dia de hoje. O sortudo foi o azul marinho, com pequenas cerejas bordadas no babado da altura do joelho. Não havia decote algum, pois não seria apropriado, mas era um lindo vestido de qualquer forma. Os cabelos rebeldes e revoltados do jeito que eu amava ficariam soltos, como na maioria dos dias.

- Seu irmão já saiu - Informou minha mãe, enquanto eu fazia o caminho até a porta para sair de casa.

- Nossa. Eu não me atrasei tanto assim para que ele me deixasse para trás.

- Bom, ele é um aluno dedicado, não seja tão sentimental, Michéle - Minha mãe sequer direcionava seu olhar até mim enquanto se ocupava em varrer a sala da casa onde morávamos. Eu saí de casa sem me despedir naquela manhã.

No caminho até o Instituto Voltaire, devaneios se apossaram da minha mente. Eu deveria estar levemente inclinada a alguma condição mental que fugisse à norma padrão, e é apenas por esse motivo que Joseph Descamps não saía dos meus pensamentos. Nossos beijos aparecendo e reaparecendo a cada instante, como cenas de um filme de romance clichê e açucarado. Sim, eu deveria possuir alguma questão mental no fim das contas.

No entanto, quando Decan começou a me encarar fielmente durante nossas aulas, eu tive a impressão de que eu não sou a única com possíveis problemas mentais. Eu estava, nitidamente, ficando nervosa com suas encaradas em minha direção. Seus olhares me deixavam completamente em combustão, tomada por uma ansiedade ainda pouco conhecida por mim.

- Vocês podem ir em casa no sábado, o que acham? Estudar e colocar o papo em dia - Sugeriu Annick, na mesa do almoço. Ao pensar que finalmente passaria um tempo ao lado dela e de Simoni, sem precisar manter meus olhos e minha atenção ao quadro negro e sem vida da sala de aula já fazia o meu humor um pouco ácido naquele dia melhorar.

- Por favor, eu não consigo mais pensar em ficar dois dias inteiros com os meus pais - Não perdi a oportunidade de dramatizar um pouco a situação.

- Então, na hora do almoço? - Perguntou a morena entre nós.

- Minha mãe vai adorar cozinhar para vocês. O almoço sai uma da tarde, então tentem não se atrasar.

Meu coração estava quentinho de saber que eu passaria a tarde de sábado tão longe de casa e tão perto das minhas meninas. 

As aulas passaram relativamente rápido. Talvez por eu estar confusa com o olhar de Joseph em cima de mim a todo tempo. Que droga estava acontecendo afinal? Talvez ele seja mais lunático do que eu havia pensado no fim.

- Michéle? - Ouço uma voz masculina chamando por mim, enquanto eu me ocupava de guardar todos os meus pertences ao final do dia.

- Sim? - Me virei e pude ver Alain Laubrac, um colega de classe, vindo até mim.

- Eu pensei que talvez, digo, se não for incômodo… - Ele se atrapalha e eu me esforço para prestar o mínimo de atenção em suas palavras confusas e não no rapaz de tapa-olho, me encarando com uma careta de tédio estampada em seu rosto muito bem desenhado e esperando impaciente na porta da sala.

- Laubrac, no que eu posso te ajudar? Realmente preciso terminar aquele trabalho de história logo e minha dupla não gosta muito de esperar.

Foi torturante me forçar a prestar atenção no que Laubrac me dizia. Principalmente quando Decan, provavelmente cansado de me esperar, seguiu sozinho para a biblioteca e, possivelmente, ficaria me esperando lá para que conseguíssemos concluir o trabalho. Depois disso deveríamos apenas treinar a apresentação.

Mixte 1963Onde histórias criam vida. Descubra agora