Naquela mesma tarde, que parecia nunca ter fim, eu estava sentada na ala de espera do hospital. Minha família estava ao meu lado e eu fingia não ver os olhares de repúdio que eram direcionados a mim.
A família do garoto enfermo conversava com o coordenador do colégio em conjunto com a enfermeira, que vieram junto com os profissionais da saúde responsáveis por resgatar Decan. A cena do que havia acontecido poucas horas antes não saía de minha cabeça. Ela rodava em um looping desgraçado para me punir pela minha falta de senso.
Eu cheguei na ala da enfermaria do colégio com a respiração entrecortada e não conseguia me expressar corretamente. Eu não conseguia fazer sentido.
“Eu… O Decan. Lá fora… Ele tá machucado!” - Foi o máximo de informação que eu consegui passar, pois em minha cabeça só rondava que eu havia matado o garoto insuportável. Acredito que ser insuportável não é considerado um motivo para matar.
Eu corri novamente até o local do acontecimento repentino e catastrófico. Ele se debatia no chão, gritando que sentia muita dor. Seu corpo dava alguns espasmos e ele parecia levar vários choques seguidos. Se eu não soubesse que ele estava realmente machucado, acharia engraçado a cena dramática. Mas o medo não me permitia outro sentimento que não ele próprio em meu peito, queimando toda minha caixa torácica.
O chão estava com alguns respingos de sangue e suas mãos também se encontravam cobertas por ele. Arregalei os meus olhos quando ouvi gritarem que um caco de vidro perfurou sua íris. A pequena equipe da ala médica do colégio o trouxe aqui - ao hospital -, enquanto a Senhora Couret - a professora responsável por ministrar as aulas de inglês - me levava para a casa e se preocupou em explicar a situação aos meus pais, depois de passar todo o trajeto me perguntando o que aconteceu e como aconteceu. Repetidas vezes. Revisitando os momentos mais insanos.
O tapa ardido que recebi de meu querido pai ainda ardia em minha bochecha esquerda. A marca vermelha ainda se destacava na palidez do meu rosto e eu permanecia de cabeça baixa, numa fútil e frustrada tentativa de desaparecer. Os meus pais, é claro, me arrastaram até aqui. Eles precisavam se desculpar e precisavam que eu me desculpasse com a família de Joseph por tê-lo machucado em proporções que ultrapassam todos os limites do razoável.
O olhar raivoso dos pais de Decan poderiam me queimar sem esforços. Assim que cheguei, minha mão agarrou meu braço com uma força desnecessária, em direção a eles. A mãe dele chorava baixinho. O pai acariciava suas costas, sussurrando algo no ouvido dela.
“Eu sinto muito pelo que aconteceu com o Joseph. Nunca foi a minha intenção machucar ele tanto assim. Me desculpe, Senhora Descamps” - Eu disse de cabeça baixa, sem coragem para olhá-los nos olhos.
“Você sente muito?! O meu filho vai perder um olho por sua causa! Você o cegou, sua garotinha perversa. Acabou com a vida do meu menino.” Ela disse a última frase voltando a chorar e eu me afastei, me sentando naquele banco duro e gelado do hospital.
Eu implorei por longas horas até convencer meus pais de que apenas os familiares de Decan podiam visitá-lo naquele dia. Eles me fizeram prometer que eu deveria, obviamente, me desculpar pelo que eu havia causado ao garoto, assim que fosse possível.
Ao seguirmos o caminho para casa, meu irmão e minha mãe aderiram ao tratamento de silêncio, agindo como se eu não existisse mais. Enquanto isso, meu pai me encarava com um olhar frio e desafiador ao mesmo tempo.
“Seu castigo ainda nem começou, menina malcriada.” Eu sabia bem o que viria pela frente. Por um momento, desejei que ele começasse a me ignorar, assim como os outros membros da família. Todo o caminho de volta foi silencioso, mas minha mente estava barulhenta demais para que eu pudesse aproveitar o som do nada.
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Mixte 1963
FanficO Instituto Voltaire antes somente para meninos aderiu uma nova política de admissão: agora tornaria-se um colégio misto, forçando garotos acostumados a lidarem apenas com o mundo masculino, de repente, estarem rodeados de saias, laços e atrevimento...