Me concentro na instrução que a professora Ekaterina me dá sobre como girar uma pirouette atittude correta. Minha primeira tentativa foi ruim e por isso tô puta, me sentindo uma iniciante perto de garotas como a Polina, que mesmo errando, parece ter um controle que eu não consigo mostrar.
Tento de novo. Enfim recebo um elogio da minha rigorosa e metódica professora. Bom, ela diz. Parece um elogio frio e sem entusiasmo, mas dado o caráter reservado de Ekaterina Alieksandrovna, é o suficiente pra eu me sentir menos frustrada.
Polina sorri de um jeito encantador quando volto para a diagonal após eu terminar meu exercício. Retribuo sorrindo em desafio. A verdade é que não gostamos de ficar atrás uma da outra. Sempre tentamos provar quem é a melhor, quem salta mais, quem gira mais fouettés. Apesar disso, somos amigas, e por mais que doa um pouco em mim, tenho que aceitar que, pelo menos hoje, a ruiva está muito melhor que eu.
Não me importo de ainda não ser estrela da companhia. Sei que meu momento vai chegar, já que Alla Mustafina um dia terá de dizer adeus aos palcos. São poucas as bailarinas que chegam aos quarenta e dois anos dançando em grande nível. Ela chegou longe, e quando a Primeira Bailarina se aposentar, estarei pronta para assumir seu posto.
O que me deixa puta é que começamos a ensaiar um balé contemporâneo, com estreia prevista para daqui a algumas semanas, e eu não vou ser a estrela. A escolhida foi Gabriela Maria Ortega.
Estudo no Novosibirsk Ballet desde que eu tinha dezessete anos. Cheguei cheia de sonhos, imaginando logo me tornar primeira bailarina ou ficar famosa, mas o tratamento frio que recebi dos bailarinos experientes me mostrou que minha jornada seria difícil. Apenas talento nunca foi o bastante pra mim.
Fui muito ingênua no começo. Não me julguem. Uma garota muito nova, cheia de sonhos, sem maldade. Queria ter feito diferente, se pudesse voltar.
— Estou gostando de ver, sardentinha — Polina diz ao voltar do centro, apoiando uma das mãos na minha cintura e com a outra dando um tapinha no meu bumbum, ao ficar atrás de mim.
Sorrio de um jeito irônico.
— Ainda não chego aos seus pés — respondo.
A gente se coloca atrás de Lisanna e Marina, fazendo pose inicial para uma série que tem dois dos exercícios que mais amo: entrechats e grand jetés.
— Se estiver se esforçando pra chegar no meu nível, tá perdida — ela sorri com altivez.
A dupla à nossa frente termina a série e sai pelo canto da sala, onde Yefim Antonovitch toca o piano. Polina e eu fazemos o port de bras inicial, avançamos. Nos exercícios de saltos e giros, graças às minhas pernas compridas e ao meu plié, sou a melhor bailarina da companhia. Salto mais alto que todas e meu espacate fica negativado no ar. Me sinto como se por pelo menos dois segundos estivesse voando, antes da gravidade tomar de volta o que tentei roubar.
A gravidade sempre vence no final e mesmo que nós, princesas de sapatilhas, saltemos alto e a desafiemos com arrogância, nosso vôo é curto. O sonho termina no instante em que pousamos.
Meu collant entrou todo na minha bunda ainda nos exercícios da barra. As regras dessa companhia quanto ao uniforme são rígidas, seguindo um padrão comum às melhores escolas. Nosso collant é preto, de manga comprida. Meias calça e sapatilhas cor de rosa. Detalhe: hoje estou sem meia calça. Saias são proibidas. Professores apreciam ver bundas de bailarinos e, pra se ver bem o trabalho dos músculos desta parte do corpo, quanto menos roupa, melhor.
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Instinto Primitivo
RomanceA dor é consequência do prazer. Danielle é uma bailarina de uma importante companhia de dança. Para custear suas despesas, a bela loura de olhos azuis e rosto salpicado de sardas trabalha à noite como garota de programa e realiza os desejo...