Capítulo 4

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      Será que seria diferente se mamãe estivesse viva? Ela viraria as costas para mim se soubesse que a garotinha doce e meiga por quem ela se dedicou até seu último dia de vida nunca existiu, ou colocaria minha cabeça em seu colo e me diria aquelas palavras doces que só ela tinha, e que me davam força? 

      Como sinto sua falta, mamãe…

      — Muito bem — o cara me tira do estado nostálgico com sua voz de lenhador —, como você não quer me dizer seu nome verdadeiro, vou te chamar pelo seu apelido. Danny Putinha.

      — É melhor assim — solto o ar por entre os lábios.

      — Por que Putinha?

      — Porque eu sou garota de programa. Algum problema?

      — Nenhum.

      Roman tem um jeito que não sei definir e que me irrita, me faz ir ao limite e me deixa descompensada. Não sei se sou capaz de ir pra longe desse homem arrebatador. Não sem antes de saber o que ele quer fazer comigo.

      Pode ser que seja a rispidez de seus gestos ou seu rosto bonito que me hipnotizam e fazem minha boceta piscar de excitação, ou seu olhar feroz. Ao mesmo tempo que sinto raiva dele, algo me puxa pra dentro de seu controle e quebra meu equilíbrio de bailarina aparentemente perfeito, me fazendo sentir uma garota indefesa.

      Ele é perfeito, não me canso de pensar isso, e não importa que seja também antipático, rude e autoritário, meu corpo o quer dentro de mim. E se ele tomar a iniciativa, sei que não vou ser capaz de lhe negar nada. 

      Roman dá outra de suas risadas pontilhadas de afronta, me olhando com o canto do olho direito, se negando a perder totalmente o contato visual comigo. Sua cabeça balança em sinal de repreensão.

      — Tenho vontade de pôr uma mordaça na sua boca, para que fique calada — ele murmura e rio de mais essa idiotice, pondo uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. — Você é muito atrevida, garota.

      Rio com desafio.

      — Eu sei. Já me disseram. E não é porque você é um coroa bem gatinho que eu não vou falar como quero, ok? E não tô nem aí se você é policial, se quiser me prender, me prenda.

      Desta vez viro de frente pra ele, só pra ver bem suas feições após eu tentar irritá-lo mais um pouco. Um sorriso provocante brinca em meus lábios.

      Mas o policial subitamente esboça uma expressão divertida.

      — Uma brat¹ — ele diz num tom de voz baixo, muito mais pra si do que pra ser ouvido.

      — Não entendi. Do que você me chamou? De brat? — pergunto confusa.

      — Não é nada importante. Já chegamos.

      Tão perdida estava em devaneios  que nem percebi que Roman me trouxe para uma rua que conheço muito bem, próxima à Ulitsa Kirova. Como não é tarde, ainda há bares e restaurantes abertos. Os clientes revezam seus olhares entre as refeições que comem e a chuva que cai torrencialmente.

      O policial estaciona o carro entre uma Land Rover e um Honda Civic e segura meu braço, impedindo que eu abra a porta.

      — Espere um pouco — pede.

      Puxando um guarda-chuva do banco de trás, ele abre a porta, vem até o lado em que estou, e num surpreendente gesto de cavalheirismo, abre a porta pra eu sair, me protegendo da chuva. Esse ato inesperado me faz sorrir, me faz também achar que não é tão escroto quanto parece.

Instinto PrimitivoOnde histórias criam vida. Descubra agora