8 - A Buzina.

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Talita



As ruas estavam estranhas, calmas demais, bagunçadas, como se todos tivessem fugido. Ravih e Alice me acompanharam grande parte do caminho, já que nossas casas eram bem próximas. Fiquei feliz com isso, mas estava faltando algo, ou alguém, o garoto que agora morto realmente estava fazendo falta, a sua presença era inevitável já que ele ficava irritando todo mundo.

- Onde eu estava quando ele precisou de mim? - escuto Ravih sussurrar pra irmã.

- Não tente carregar essa culpa, Eu quem estava lá e não consegui evitar.

Enquanto falo tentei olhar para os olhos de Ravih, mas estava com os olhos no chão. O garoto não era muito bom com contato visual, isso me deixava um pouco agoniada.

- Cala a boca vocês dois, ninguém vai carregar essa culpa! - Alice diz, seria mas triste. - Não teria como adivinhar a forma dessas coisas agirem, nem mesmo sabemos a primeira pessoa infectada.

- Será que é sequela do corona? - Ravih sendo Ravih.

- Para de falar bosta, garoto. - Vejo Alice dar um leve empurrão no irmão, me pego dando uma risada.

- Ele iria te zuar muito com isso. - digo.

- Óbvio que iria... - o garoto olha pra mim.

Estávamos quase atravessando uma das avenidas antes da esquina próxima a minha rua, quando vimos um caminhão. porém ele ainda estava distante,

- Bora que dá. - Ravih diz, já indo. eu faço o mesmo.

- Não dá não. - Alice diz, mas seguiu o garoto.

- Ele não é louco, tá me vendo. Fora que buzina existe pra quê? - digo, tentando me convencer de que não morreria atropelada qualquer dia, SE eu sobrevivesse aos mortos.

O caminhão agora estava mais próximo, caraca ele é rápido, mas chegamos na outra calçada antes que ele chegasse muito perto.

- Mas uma atravessada com sucesso. - comemoro

- Nunca foi sorte, sempre foi Deus. - Ravih completa. sempre falamos isso depois que atravessamos, duas "criançonas".

- Vocês também estão escutando a buzina? - Alice perguntou, agora olhando para o caminhão.

- Por que caralhos ele tá buzinando assim, se nem tem carro.

- Talvez seja pra gente. - digo. o som da buzina era um pouco desesperador,

Em uma velocidade absurda, porém consigo ver dentro. como se o tempo tivesse parando aos poucos, aquilo de novo, aquela sensação de ver alguém sofrendo e não poder ajudar toma conta de mim. O motorista se debatendo contra o volante. O caminhão agora passa direto por nós, Rapido, descontrolado e com um cadáver no volante, vejo o vulto da garota do meu lado se abaixar, mas não consegui fazer o mesmo, meu corpo não obedeceu.

O mundo parecia distante, como daquela vez, e eu me lembro bem do sentimento, sempre foi minha fraqueza. Congelada no tempo eu vi a cena que demorei pra aceitar. Minha pequena garotinha, minha cachorrinha no asfalto, sem vida. Sem a sua empolgação de quando saia pra passear. Escuto a voz de Ravih distante, logo afastando a lembrança ruim. Em um estrondo de metal e fogo o caminhão bate contra a loja fechada do final da rua. e o mundo em chamas brevemente se tornou,

- Talita. - o garoto pula em minha direção, antes que os fragmentos de vidro me alcancem, fazendo nossos corpos se chocarem contra o chão.

[...]

Tento me erguer em meio a toda fumaça, meu corpo pesava, a visão pouco turva, e o zumbido infernal que não parava, era um mar de silêncio, porém agonizante. Vejo Ravih se torcer até mesmo agonizar.

- Ravih, tá bem?? - digo um pouco desesperado, viro o garoto que estava de bruço, Vejo o corte no braço, que não parava de sangrar.-o que eu faço? oque eu faço?

- Ravih. - Alice sendo ágil, rasga a roupa do garoto fazendo pressão contra o ferimento, era profundo, sangrava muito, mas não era fatal.

A explosão do impacto foi muito grande, graças ao Ravih eu não ganhei mais que alguns arranhões, porque caralhos eu não consigo agir antes que o pior aconteça, Ravih estaria bem se não fosse por mim, porque caralhos eu paralisei, eu apenas aceitei a morte, nem mesmo tentei lutar pela vida que tanto prezo.

- Talita. tenta pegar água. - Agora a voz de Alice que afasta meus pensamentos. - Vai mulher, pega água.

- O motorista do caminhão. - vejo o garoto dizer enquanto estava deitado sobre o chão, ele apontava para o caminhão, agora em chamas e todo estraçalhado.

Corro até o veículo arruinado, e vejo o motorista em chamas, morto. Mas ainda se batendo contra o banco, quando seus olhos se encontram com os meus, a intensidade e o desespero aumentam, ele não sente nenhuma dor, quer apenas me matar, rasgar, morder assim fazendo eu me tranformar em um deles. Um corpo sem alma, apenas com sede de sangue.

- Está infectado! - digo, o garoto me olha, com dificuldade de se mexer. - O motorista já era. - consigo falar de uma maneira tão natural, que até mesmo parece que estou acostumada a ver pessoas morrendo.

- Será que essa maldição está por toda a cidade. - Alice diz, enrolando o pedaço de tecido rasgado no braço do irmão - ou até mesmo por todo lugar.

- Iremos saber logo. - Ravih diz, tentando se levantar.

- Vamos logo pra casa. - digo.

Caos, apenas isso que aconteceu. Desde que essas coisas apareceram, e estão por aí infectando tudo e todos Sinceramente, eu não aguento mais, só queria descansar. Queria meu cabelo arrumado, meu perfume exalando, só queria mais um dia normal, como sempre. brincadeiras risadas. bem na porra da minha vez de viver me acontece esse carai.

- Talita, quando chegar em casa manda mensagem. - Alice diz me olhando, diferente do irmão ela sabe como manter o contato visual. seus olhos eram muito bonitos para não desfrutar disso.

- Eu vou chegar bem. - viro a esquina que me separa dos irmãos, acho que consigo ouvir Ravih dizer com esforço "se cuida", apenas acenei com a cabeça.

Abrindo a porta de casa vejo aquela cena horrível, desagradavel. Consigo ouvir as batidas do meu coração, fortes. a cena da casa toda destruída, desorganizada, me fez pensar no pior, oque houve com meus pais, minha família, minha casa.

- Mãe. - grito na esperança de alguém responder. - Pai.

Escuto um som de fora da minha casa, um helicóptero. Eu me aproximo da janela, a curiosidade tingia meu olhar com cautela. A rua lá fora estava se banhando novamente em um silêncio opressor, o som do helicóptero agora ficando distante, o som arrastado de passos descoordenados. Com um suspiro preso na garganta, eu observei, através do vidro que embaçava com meu hálito, duas figuras desfiguradas que se moviam com uma lentidão torturante.

Estavam mortos, não havia dúvida. A pele cinzelada revelando do que uma vez foram seres humanos. Um deles arrastava a perna, enquanto o outro tinha um braço pendurado por um fio de tendões. Eles eram a personificação da decadência, um lembrete macabro do que a terra estava se tornando. Eu me afasto da janela instintivamente, eu sabia que deveria me esconder nas sombras de minha casa destruída, mas algo sobre a cena lá fora me mantinha presa ali, observando.

- Porra. - o helicóptero esta indo em direção a casa dos irmão. Se essas coisas apareceram só depois do barulho, óbvio que mais viram, com o barulho - preciso avisá-los.





Continua...

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