POV Nathaniel
Estava cada vez mais difícil ter um tempo só pra mim. A realeza tem seu glamour, mas você precisa se doar por inteiro. Já nasci com meu destino traçado. Deus deu a todos o livre arbítrio, mas o meu pertence à coroa. Meus momentos de introspecção se faziam mais frequentes e só confiava em uma pessoa para me escutar: Rosalya.
- Pode entrar. - A voz da Rosa ressoou do interior do quarto e assim que entrei,uma bolinha de pêlos veio miando na minha direção.
- Olá, Branca. A tia Rosa tá cuidando bem de você?
- Ela sente a sua falta. - Respirei fundo e peguei a gatinha no colo a seu contragosto. Eu também sentia falta dela.
- Acho que nunca te agradeci por cuidar dela pra mim. Fico mais aliviado sabendo que é você. - Rosalya me direcionou um sorriso acolhedor em resposta e acrescentou:
- Não se preocupe, Nath. Essa gatinha e eu temos muito em comum. - Enquanto falava, ela passou a mão nos seus cabelos tão brancos quanto o pêlo da felina. Rimos da comparação e então avancei mais para o centro do quarto. Parei diante da penteadeira bem servida de produtos e desci a Branca do meu colo. Não muito longe daquele móvel tinha um espelho maior que eu e o príncipe refletido nele me chamou a atenção. Dei um jeito num fio de cabelo rebelde e alinhei as ombreiras mecanicamente. Como eu odiava aquelas ombreiras.
- Sabe... Se eu pudesse aliviar o seu fardo de alguma forma, eu faria. - Ao escutar as palavras de minha irmã, soltei o fôlego que sequer sabia que estava segurando.
- Eu tampouco iria querer isso pra você. Mas tem algo que está me deixando ansioso ultimamente. - Rosa se aproximou de mim e tomando minha mão, me puxou até o seu extravagante sofá dourado. Sentamos e a Branca se aninhou aos meus pés.
- O que está te incomodando? - Quis saber.
- É que... sinto que a comemoração pomposa que está por vir tenha um propósito mais específico para mim. - Rosa franziu a testa sem entender e logo passei a explicar enquanto ela massageava a testa franzida a segundos atrás. - Acho que nosso pai deseja formar uma aliança definitiva e escolher uma futura rainha para Voulon. E eu sempre soube que esse momento chegaria um dia mas, não me sinto nem um pouco preparado para me casar. Sempre soube também que a noiva não seria a minha escolha e que terei que aprender a gostar, quem sabe até amá-la um dia mas...
- Mas você queria sentir que é dono de suas escolhas pelo menos uma vez. - Rosa completou.
- Ou pelo menos ter a sorte que você teve. - Seu olhar de compaixão me fez sentir acolhido. Ela nunca precisará passar por esse dilema pois teve a chance de se apaixonar por seu noivo antes de ser "comercializada" em prol da boa relação francesa.
- Mas isso não me impede de partilhar do seu sofrimento, Nath. Eu sinto muito, muito mesmo pelas coisas serem do jeito que são. Só posso dizer que talvez você deva procurar o lado bom disso tudo. Quer dizer, se é pra ser assim, faça de tudo pra se apaixonar pela escolhida. Faça ser verdadeiro e não apenas um comércio.
- Como vou saber quem vai ser a escolhida?
- Deixa isso comigo. Vou sondar o rei nesses próximos dias e tentar encontrar informações. Talvez a nossa mãe saiba de alguma coisa. - Rosalya tinha razão. Apesar do direito de escolher não ser uma realidade, o meu coração era real, os meus sentimentos eram reais e isso bastava para me mover.
Depois da conversa decisiva com minha irmã, inevitavelmente liguei meu piloto automático. Participei de reuniões, almocei com minha família e tentei trabalhar um pouco no meu discurso para a celebração. Palavras e palavras dançavam na minha cabeça, mas nada produtivo saiu neste dia. Comecei a pensar no iminente noivado e por um momento, me permiti imaginar a minha futura esposa. Eu conhecia algumas das possíveis candidatas ao posto pois era meu dever saber dos reis e seus filhos e filhas dos reinos ao redor de Voulon, afinal, a maioria eram nossos aliados. Mas a pergunta era: Fortalecer ou criar novas alianças? A resposta a essa questão poderia me ajudar a filtrar as opções. Nunca me dei ao luxo de criar um ideal de esposa justamente para não haver quebra de expectativa mas, novamente pensando na iminência do noivado, era impossível não pensar no que eu, Nathaniel, queria para mim.
Resolvi dar uma volta pelas dependências do palácio para espairecer. Normalmente eu iria até a fonte dos jardins para fazer isso, mas precisava caminhar um pouco mais para colocar as ideias no lugar. Enquanto andava pelo pátio que era mais usado pelos criados me lembrei de quando eu era pequeno e me escondia na cozinha. Fazia isso para me esconder dos deveres e sabia que seria difícil me procurarem ali. Mesmo sabendo da bronca que levaria depois, me consolava muito poder comer bolos ou pães recém assados. Mas então chegou um dia que esse consolo parou de ser suficiente. Chegou um momento em que não havia mais consolo algum. Essa lembrança me embrulhou o estômago e resolvi dar meia volta. Do outro lado do pátio, bem ao longe, um grupo de pessoas vinha na minha direção. Reconheci a silhueta da Chino em traje totalmente branco como costumava usar e então um lampejo de cabelo ruivo chamou a minha atenção. Nunca tinha visto aquela garota antes. Aquelas pessoas conversavam entre si aparentemente eufóricas enquanto a Chino falhava miseravelmente em contê-los. Me diverti um pouco com a cena e pensei em me aproximar para matar a minha curiosidade, mas logo fui interrompido.
- Até que enfim encontrei o senhor, Alteza. - A fala ofegante de Mike confirmava que ele passou bons minutos à minha procura. Após uma breve reverência, emendou: - Sua Majestade, o Rei deseja vê-lo.
O olhar assustado do meu mordomo me fez ter uma boa ideia do que me aguardava.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Coração Real
FanfictionNo reino de Voulon, o jovem príncipe Nathaniel está diante do maior desafio de sua vida. Herdeiro do trono e amado por seu povo, ele sempre soube que suas responsabilidades para com o reino viriam antes de seus desejos pessoais. No entanto, seu cora...