Capítulo 7

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O dia seguinte já começou agitado, pois eu tive que comparecer a um treinamento quase intensivo de Dama Real. Eu sabia que era muita responsabilidade e esperava muito ser capaz de dar conta de cada tarefa. Vou receber um bom salário além de moradia fixa no palácio, o que por si só já me parece um benefício. Meu expediente é basicamente a qualquer hora que a princesa precisar de mim, principalmente ao acordar e deitar-se para dormir. Suas atividades reais quase nunca precisavam me envolver, então eu me ocuparia organizando seu quarto, seus pertences, sua agenda e bem, literalmente o meu dever é facilitar a sua vida. Ah! E eu iria ajudar a cuidar da gatinha dela. A Branca não pareceu simpatizar comigo mas eu faria de tudo para conquistá-la. Sobre meu visual, bem, seria vista com a princesa em muitos momentos e por isso precisaria estar muito apresentável dali em diante. A minha primeira tarefa do dia era conhecer o guarda roupa da princesa Rosalya. Saber o código de vestimentas era fundamental e mais ainda o apropriado para cada ocasião. O noivo dela estará aqui na festa e passará bastante tempo com ele durante a comemoração. A Íris tinha muita paciência ao explicar e graças a Deus eu tinha uma habilidade de aprender rápido muito grande. Até o final da manhã eu já sabia quais eram as cores favoritas da princesa, seu padrão de maquiagem para o dia a dia e quais vestidos ela mais gostava de usar. 

- Que bom que você está aqui. - A princesa entrou de repente no quarto e a cumprimentei com uma breve reverência. 

- Alteza! Já está de volta! Ainda estou treinando a senhorita Zelennah, mas ficará satisfeita em saber que ela aprende rápido. - Íris me fez corar com o elogio. Eu nunca sei como reagir nessas horas. 

- Isso é ótimo. Eu estava entediada em uma reunião com a minha mãe e outras damas da côrte. Escapei na primeira oportunidade. - A princesa sentou no sofá amarelo e observei que a Íris logo foi tirar as sandálias de salto dos seus pés. Anotei no meu bloco mental. Rosalya então despojou-se no sofá igual... igual a qualquer pessoa normal. 

- Posso fazer alguma coisa por você Alteza? - Perguntei ao perceber que ela fazia um exercício de respiração.

- Está tudo bem, Zelennah. Só preciso de um momento aqui. 

- É a sua mãe de novo, Rosa? - Íris perguntou enquanto fechava as cortinas do quarto para deixar um pouco escuro.

- Sim. Ela está me enlouquecendo aos poucos. Não entendo por que a Ambre pode fazer o que quer e ela tenta controlar cada passo que dou ou cada decisão que tomo. 

- A senhorita está prestes a ser rainha de outra nação. Talvez não seja fácil para ela a ideia de sua primogênita deixar o ninho.

- Você pode estar certa, Íris, mas infelizmente a dor dela não diminui a minha. Na verdade eu penso que ela deveria justamente fazer o contrário. Metade dos meus pensamentos estão consumidos pela iminente vida de rainha. Ela deveria me ajudar com isso. Eu vou assumir uma posição que ela já atua há anos. A outra metade está consumida pelo medo de falhar, de envergonhar meus pais, de perder o Leigh.

- Mas como poderia perdê-lo? Estão prometidos desde crianças, não é? - me aproximei da princesa e peguei sua mão para massagear. 

- Ah, Lenna, existem tantas formas de perder alguém. - Ao dizer isso, Rosalya levou a mão livre à testa e massageou. Parecia esticar as linhas de expressão que aparecem devido a sua preocupação. E eu não podia dizer que era uma preocupação pequena. 

- Eu adoraria ouvir a história do noivado de vocês. - Comentei enquanto trabalhava nos pontos de pressão do seu pulso e palma. Uma sombra de sorriso se formou em seus lábios.

- A senhorita não sabe o quanto a princesa ama falar sobre isso. - Disse Íris. - Eu mesma poderia contar de cor, do tanto que já ouvi. 

- Se eu pudesse escrever nas estrelas, eu escreveria, minha cara Íris. Eu estou mesmo precisando relaxar. Nada melhor do que falar de quem mais amo na vida. - Íris revirou os olhos e eu fiquei atenta. - Bom, os pais do Leigh já estavam com uma idade avançada e sem esperanças de um herdeiro. Por um milagre, conceberam Leigh e dois anos depois tiveram mais um menino, Lysandre. Por conta desse milagre dobrado, o rei George levava seu filho mais velho para todo lugar possível, sempre queria estar perto dele. Então veio para Voulon em missão diplomática e assim eu conheci o Leigh pela primeira vez. Eu sempre fui uma criança extrovertida e isso era bom pois, naquela idade eu já tinha tarefas reais e uma delas era brincar com os filhos dos diplomatas, assim como minha mãe que tinha que fazer sala para as esposas. - A princesa puxou delicadamente a sua mão e se sentou novamente. - Leigh e eu já estávamos prometidos um ao outro mas não sabíamos. Eu nunca desconfiei, mesmo quando a estadia dele começou a ficar mais frequente. Já adolescentes, e loucamente apaixonados, o rei George nos deixou e Leigh precisou assumir o trono precocemente. Então, meu pai precisou reforçar com o novo rei da França o acordo que tinha com o antigo. Eu fiquei muito feliz pois já estava fazendo muitos planos loucos na cabeça só de pensar que meu pai poderia me  dar em casamento para qualquer outro homem, de qualquer idade. Acredito que meu pai irá marcar a data do casamento em breve. Aparentemente, todos os detalhes do acordo estão nas mãos dele mas, ultimamente as coisas estão bem devagar nesse assunto. O meu pai parece não ter tempo para decidir e tampouco me deixa escolher. Às vezes é torturante. Em contrapartida, não me sinto cem por cento pronta para deixar este lugar. - Outra vez levou as mãos à testa para massagear.

- Uau. Que incrível. A chance disso acontecer é bem baixa, eu imagino.

- E está certa, Lenna. - a princesa concordou. - De todos os luxos que a realeza pode ter, casamento por amor fica em último da lista. 

- Que coisa mais triste. - lamentei.

- Não acho tão ruim assim. - Íris protestou. - O amor pode vir com o tempo. E talvez o amor por outras coisas te coloque naquela posição. No caso da senhorita, o amor pelo seu povo, ou pelo seus pais lhe levaria a aceitar um casamento assim. - tanto eu quanto a princesa olhamos para Íris horrorizadas. 

- Acho que prefiro não ser princesa então. Todos deveriam ter direito de se apaixonar. - Íris e Rosalya riram do meu comentário.

- Nem todos têm essa escolha, Lenna. Mas concordo com você. O que me leva a perguntar: Você já se apaixonou? - Não esperava por essa pergunta. Na verdade, nunca alguém me perguntou isso. Pensei em Armin e em tudo que vivemos. Não tenho certeza se estava apaixonada. Eu sempre o amei como amigo, só que o amei um pouco mais. - Olhei pra princesa que ainda estava esperando a resposta.

- Havia alguém... Quer dizer... Talvez ainda haja. - Passei então a contar tudo sobre mim e Armin, sobre o casamento arranjado que não aconteceu, sobre nossa despedida e sobre a carta. Ao verbalizar isso para elas, percebi que havia muitas incertezas nesse nosso relacionamento. 

- Me parece que vocês se amam sim, já que são amigos de infância. Mas acredito que você ainda não se apaixonou. A paixão é sim passageira, mas provoca muitas reações involuntárias no corpo. No entanto, quando ela passa, você precisa, sim, ter uma certeza: se quer ou não ficar com aquela pessoa pra sempre. E não se engane, a paixão pode fazer você achar que tem certeza, mas você sabe que é amor quando quer ficar, mesmo conhecendo o pior lado, mesmo quando não há motivos pra ficar. 

- Mas como vou saber a diferença de amores? Quer dizer eu amo Armin, assim como amo o Alexy e o Kentin. - A princesa  me sondou por um instante e eu continuei: - Se eu amo mesmo o Armin de forma diferente, por que não aceitei casar com ele?

- Você disse que ele foi recrutado, certo? Ele pode estar servindo aqui no palácio já que ainda não teve uma designação. Posso descobrir isso pra você.

- Agradeço, alteza. Mas acho que não quero descobrir se ele está aqui. Eu realmente não sei o que sinto e o que poderia dizer a ele se encontrá-lo. Nem tive tempo de pensar eu uma resposta para carta já que... bem, aqui estou eu.

- Talvez o problema não seja a falta de amor. - A senhorita disse que seus pais se casaram cedo. Sabemos bem como a sociedade é cruel com mulheres solteiras e no fundo do coração de cada mulher, isso é revoltante. - Íris pontuou.

- Ah, mas no meu caso, não precisa nem ir tão fundo pra achar essa revolta. - Nós três rimos muito com a fala de Rosalya. Eu estava começando a me sentir muito bem nesse ambiente. Talvez ela esteja certa. Talvez seremos mesmo boas amigas.

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