Capítulo 6

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Ok. Alguém pode me beliscar? Eu simplesmente não consigo imaginar um mísero motivo pra princesa querer falar comigo. Enquanto caminhava ao lado da Íris, a minha cabeça simplesmente fervia ao tentar pensar no que ela poderia querer. Ou melhor, o que eu poderia dizer. Sequer conseguia prestar atenção ao que a Íris tagarelava. Talvez algo sobre trabalhar há anos no palácio ou quem sabe... não, não. Não conseguia raciocinar. Quando paramos em frente ao quarto da princesa, pensei que talvez seria uma boa ideia sair correndo dali. Olhei para o guarda no fim do corredor e encarei a porta novamente.

- Está tudo bem, senhorita?

- Sim, está tudo bem sim. É que...

- A senhorita está nervosa - Íris completou com a palavra exata que me definia naquele momento.
Estou. - respondi ainda encarando a porta. - Escuta, Íris. Você realmente não sabe o que pode ser?

- Não se preocupe, senhorita. Não tenho permissão pra falar mas, tenho certeza de que é algo bom para você. - Com um sorriso convincente, a Íris tocou no meu ombro e eu respirei fundo.

- Ok. Estou pronta. - Ela bateu na porta e então a voz da princesa nos convidou a entrar. Assim que avistei ela, fiz uma reverência.

Vamos pular as formalidades, minha cara...

- Zelennah, Alteza. - A Íris me apresentou pra princesa.

- Obrigada, Íris, querida. É um nome muito bonito, Zelennah.

- Pode me chamar de Lenna, Alteza. - Eu esperava do fundo do meu coração que ela não tivesse percebido minha voz falhando. No entanto, o riso que ela abafou com a mão confirmou o que eu temia.

- Agradeço por trazê-la, Íris. Pode ir descansar. Pedirei a um guarda para ajudá-la a encontrar o caminho de volta.

- Perfeitamente, Alteza. Até amanhã e  boa noite, senhorita Zelennah.  - Desejei boa noite e fiquei tensa ao ficar a sós com a princesa.

- Então, Lenna. Aceita um chá? - Ok, estava cada vez mais estranho.

- Obrigada, Alteza, mas não gosto muito de chá. - respondi sem ter muita certeza até do meu próprio nome. Novamente, um risinho abafado.

- Eu também não gosto muito. Prefiro refrigerante. Mas nem sempre posso fazer o que quero. - A princesa foi caminhando até um sofá amarelo no mínimo... extravagante? Sim, era a palavra perfeita.

- Sabe, quase posso ler no seu rosto a sua aversão a este sofá amarelo. Meu irmão também o detesta.

- De maneira nenhuma, alteza! Eu...

- Tranquilo, Lenna. No fundo eu também detesto essa cor. Mas ao mesmo tempo tenho um certo carinho. A minha avó e eu passamos bons momentos nele. Eu amava escutar as histórias dela aqui. - O relato da princesa realmente me fez ver aquele sofá com outros olhos. Sorri e ela deu batidinhas no assento ao lado indicando que eu deveria sentar ali.

- Você deve estar se perguntando o porquê de te chamar aqui, certo. - confirmei com a cabeça. - Bom... Tenho certeza de que você deve ter muito talento como cozinheira, caso contrário, não estaria aqui. Mas pensei em uma proposta diferente para você, Zelennah. - Enquanto ela falava, eu mal podia respirar. - A Íris é minha Dama Real, mas está prestes a se casar e assumir outra função. Este cargo ficará vago e normalmente faço uma seleção, mas, no momento em que te vi, senti que poderia confiar em você. Minha intuição não costuma falhar.

- Ser a sua Dama Real? Eu? Mas... Mas...

- Eu sei, eu sei que é repentino e você teria muito o que aprender. Mas sei que pode dar conta. O que você me diz? - A pergunta ficou ecoando na minha mente e como a princesa continuou me encarando, eu pigarreei e respondi:

- Fico lisonjeada, alteza. Realmente é uma grande proposta para mim. Nunca imaginaria tal coisa. Eu teria que morar aqui? E uma dama não tem que ser de família nobre?

- É ideal você estar sempre perto de mim. Então sim, moraria no palácio. Quanto a status, essa regra é ultrapassada. E mesmo se houver algum problema, eu me entendo com meus pais. - ela tomou minhas mãos e continuou. - Ouça, pode pensar no assunto o tempo que precisar, desde que no final a resposta seja sim. Algo me diz que seremos boas amigas.

Eu mal podia respirar, mal podia acreditar no que estava acontecendo. Sempre tive uma vida razoavelmente boa mas, era inegável que uma maré de sorte estava vindo sobre mim. Porém, eu precisava conversar com os meus pais. Aceitar a proposta significa se despedir deles sabe-se lá por quanto tempo. A princesa falou que poderia arrumar algo para eles aqui no palácio, mas duvido muito que meu pai vá fechar nosso restaurante. Lutamos muito por ele e meus pais não deixariam isso nem pra servir o rei Francis em pessoa. Estávamos a poucos dias da celebração e a princesa precisa de uma nova dama antes da data pois a Íris participaria da festa não como dama e sim como membro da corte. Ela era noiva de um dos ministros e irão se casar antes do aniversário de Lille. Processei e reprocessei as informações. Acho que antes de contar para eles eu precisava entender o que eu queria.
Ponto um, cresci vendo a princesa e sempre a admirei. A nossa diferença de idade era de dois anos, sendo ela a mais velha. Ponto dois: o que uma dama faz? Ela cuida dos interesses da princesa, ajuda na sua rotina, é conselheira e confidente. Minha gente! Quando na minha vida iria me imaginar conselheira e confidente de Rosalya Schreave?

- Está tudo bem senhorita? - Me sobressaltei ao escutar a voz de um dos guardas de forma tão repentina. - Desculpa assustá-la. A senhorita está andando em voltas há um tempo. Está perdida?

- Talvez. - Eu estava tão eufórica que realmente não estava prestando atenção no caminho. - Respondi um tanto sem graça ao oficial que estava tentando voltar aos dormitórios dos cozinheiros recém chegados
- Tente não andar por aí sozinha, senhorita. - eu estava em dúvida se foi um conselho ou uma ameaça, então segui depressa a orientação passada por ele.

Mas eu ainda tinha muito o que refletir e estava sofrendo antecipadamente pela possibilidade de deixar meus pais no meio da empreitada que nos foi dada. Tudo bem que havia outras pessoas mas, sempre formamos uma equipe. Chegando ao corredor, vi que a luz do quarto deles estava acesa. Resolvi contar de uma vez, caso contrário, dormiria extremamente mal de tanta ansiedade.

- Minha filha, isso é uma bênção!

- A sua mãe tem toda razão, filhinha. Essa oportunidade não vai bater na sua porta de novo. - Eu já imaginava que meus pais diriam algo parecido, mas imaginei um pouco de relutância de uma das partes. Parecia que tudo estava fácil demais. Quase como uma calmaria antes da tempestade.

- Zelennah, por quê está hesitando? - minha mãe perguntou.

-Sim, filha. Vocẽ brincava que a princesa era sua amiga quando criança e eu já até fiz chá de mentirinha pra vocês quando. Sinto que já a conheço bem.
Muito engraçado, pai. - Revirei os olhos e passei a contar todas as minhas preocupações e tudo o que a princesa falou. Como o esperado, não iriam deixar o restaurante para viver em Lille, mas afirmaram que apesar  de ficar longe deles, estarão felizes em saber que estou bem e trabalhando no palácio real. No berço da nossa nação. Estavam orgulhosos, já sabiam tanto quanto eu qual era a minha resposta. Eu serei a Dama Real da princesa.

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