Capítulo 6

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Tatiane 

Clarice morava no barraco ao lado do meu e todos os dias eu ouvia sua briga com a mãe. Algumas mulheres diziam que era inveja e que Clarice era bonita demais e por isso a mãe a odiava, e não fazia sentido, mas parecia ser verdade, e ela ainda não tinha nem quinze anos quando engravidou.

Eu fui lavar roupas e no mesmo instante ela estava lá, muitas vezes parecia apavorada, desviava o caminho sempre que me via, uma vez a mãe dela que estava lavando as roupas, o que eu achava incomum porque para ela, isso era trabalho da filha.

- Teu marido engravidou minha filha quando foi lá mexer no meu chuveiro - ela falou, olhava para mim, indignada, como se quisesse me matar, eu não sabia o que pensar, só imaginava que, ter chuveiro num barraco era um luxo.

- Dona Célia, sua filha é uma mentirosa, ela ficava de graça com um monte de favelados por aí e agora acusa ele de ter feito isso . . . - Eu continuei torcendo as roupas, sem olhar para ela.

- Não é mentira porque ela era virgem e a minha cama tava suja de sangue. Acho bom você dar um jeito, se não eu mando alguém matar o Richard e coloco fogo no seu barraco.

Quando o Richard soube, ele sumiu, não havia nenhum sinal dele por aí. Fazia pouco tempo que estávamos juntos. Clarice subia e descia a favela com medo. Eu tive que contar para alguém e fui atrás da mãe do Marcelo, eu já tinha dois meninos e era ela quem tomava conta e nunca me cobrava nada.

Dona Célia nunca a deixou fazer o pré-natal e nem denunciar o Richard porque não queria que alguém descobrisse, para ela, seria vergonhoso a única filha mulher e a mais nova ter acabado daquele jeito, os outros filhos estavam presos ou traficando.

E quando a menina entrou em trabalho de parto na minha casa, Célia não parava de falar. Não havia nada que a acalmasse.

- Não tenho dinheiro pra alimentar o menino - ela reclamava com a Maria, estava quase surtando e Maria, por outro lado, disse que tomaria conta dos dois, mas como faria isso ? se o dinheiro que pegava vendendo reciclagem não dava pra nada. 

- Não tenho dinheiro para o leite, sabe quanto custa uma lata de leite ? E ainda tenho que alimentar ela, essa menina também come feito uma . . . - e ela se calou, podíamos sentir a raiva dela, e eu sentia mais raiva ainda de Richard. E não demorou muito para ela voltar a falar - O que acha que o pai dela vai falar quando vê ela desse jeito, carregando um menino nas costas, ele vai matar nós duas.

- Dê o menino para alguém - eu falei, a fim de acabar com a discussão. Todas ficavam em silêncio.

Outras mulheres apareciam para querer ver o bebê e não sabiam de quem era. 

- É meu - eu falei, elas ficaram surpresas, e fizeram várias e várias perguntas. - E tratem de cuidar da vida de vocês, não chamei ninguém aqui.

Eu fechava a porta com raiva, Clarice ficou algumas semanas e depois foi embora. Maria aparecia para cuidar do bebê e depois eu registrei o menino, ninguém fazia perguntas a respeito dele.

Às forças, Dona Célia levou Clarice embora da favela e eu nunca mais a vi, apesar de ter prometido que ela poderia ver o filho quando quisesse. Quando o menino tinha quase dois anos, o Matheus nasceu e o Richard voltou para casa.

. . .

Na quarta vez em que eu fui visitar o Matheus, eu me lembrava claramente da nossa conversa, depois daquele dia eu achava que ele nunca mais iria querer me ver, como em todos os outros, talvez mandasse alguém atrás de mim quando eu fosse embora e eu já esperava por aquilo.

Matheus sentou e estava almoçando, ele sabia o que eu tinha para contar e por isso estava sempre esperando alguma coisa. Quando eu comecei a contar sobre a mulher da foto, ele parou de comer e me olhou com repulsa, como se tudo o que ele passou tivesse voltado à tona.

- Ele violentou a menina e você sabia daquilo, era você que deveria estar presa.

Nesse momento eu sabia que ele iria querer me atacar, e quando se jogou para cima de mim na tentativa de agarrar a minha camiseta e logo o meu pescoço, eu me levantei e os policiais vieram imediatamente segurá-lo. O derrubaram no chão, puxaram suas mãos para trás e o algemaram, foi a primeira vez que eu o vi sair chorando.

Por mais que eu tentasse, eu não conseguia parar de pensar nela, e depois que eu contei, eu esperava que ele não viesse me procurar quando saiu da prisão, mas ele veio e eu sabia que ele queria alguma coisa.

Lados Opostos - Parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora