Capítulo 10

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Eu fui embora, tentando esquecer a sua risada, eu considerava aquilo uma ofensa. Eu fiquei envergonhado, não pelo o que ele sabia sobre a Marina e eu, mas pelo o que eu ainda sentia em relação a ele.

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Com o passar do tempo eu lembrava que ficar apavorado era o tipo de coisa que sempre acontecia comigo, mas eu nunca demonstrava.

Longe de casa, Richard era uma boa pessoa e de acordo com algumas mulheres, um homem bonito. Era confiável, entrava na casa das pessoas para consertar alguma coisa e saia de lá carregado de elogios.

Mas acho que a única coisa que lhe dava prazer era colecionar vítimas como Clarice e Gustavo, entre outras que talvez eu nunca iria saber. O prazer dele era porque Gustavo era filho dele e de Clarice, e a raiva da minha mãe era por ele ter escolhido Clarice e o filho dela. Pensar naquilo fazia com que eu sentisse vontade de ser distorcido, quebrado em várias partes e mesmo assim, não havia dor física maior do que a dor que eu sentia ao saber disso.

Eu vomitei, estávamos saindo da igreja e o meu tio franziu a testa quando me olhou, o Felipe passou a mão nas minhas costas e perguntou se estava tudo bem - eu fiz que sim - tentando me recompor.

- Você comeu demais - meu tio disse.

Anos atrás, quando eu estava prestes a ser morto por ele, eu não sabia o que pensar, mas não tinha medo da morte, eu tinha medo do que ia acontecer antes dela.

Richard estava tranquilo, como se aquilo fosse tudo normal, e quando saímos do carro e o Gustavo entrou naquela casa, Richard me olhou, mas não havia nada em seu olhar, não havia nada nele além de carne e osso, não havia alma, era um vazio que podíamos enxergar através de seus olhos, e só quem o conhecia bem poderia saber daquilo.

Eu fiquei por um tempo do lado de fora, ele me deu um cigarro, depois reclamou que eu era muito novo para fumar, aquele típico jogo de alguém tão sádico que me dava ódio.

Se o meu irmão estivesse morto, eu não me importava em morrer também, mas se estivesse vivo, eu queria viver o suficiente só até saber que ele sairia vivo, e aquela agonia não me deixava em paz, eu apertava as mãos escondidas no bolso, passava as unhas sob a palma da minha mão até sentir a pele desgrudando da carne e eu as puxava devagar, tentando saber se aquilo era mesmo real, e quando ouvi a voz do Gustavo, eu me acalmei por um tempo.

Eu e outro cara tiramos os matos de uma pequena área, Richard voltou pouco tempo depois me pedindo para cavar.

- Não jogue esses matos no saco de lixo - ele disse a um cara, iria usar para esconder a cova que eu mesmo estava cavando. - Uma só já basta, para vocês poderem dormir juntinhos como sempre quiseram - ele falou para mim - Como vai ser ? Você em cima dele ou ele em cima de você ?

Eu o acertaria com aquela pá, mas naquele momento eu simplesmente desisti de tudo, e tentava pelo menos imaginar que o Gustavo daria um jeito de fugir. Várias vezes eu repetia o quanto me sentia um tolo.

E eu também me sentia um monstro quando Ariel me olhava, e ao mesmo tempo eu era tranquilizado com o olhar de Alex naquele mesmo espaço, onde Marcos sempre juntava todo mundo para fazer uma festa. Alex me olhava e tentava se aproximar como se tivéssemos vivido algo semelhante e eu simplesmente me afastava, e Ariel me olhava com raiva, pelo modo em como eu tirei algo que ele levou muito tempo para conquistar.

Na minha adolescência, Stella implorava para que eu contasse alguma coisa, me olhava com os olhos vermelhos porque havia chorado a noite toda quando simplesmente ninguém tinha provas o suficientes de que os filhos de Tatiane estavam sofrendo tantos abusos.

E eu negava quando me perguntavam, simplesmente porque Richard dizia que eu iria ficar enjaulado em um abrigo e nunca mais sairia de lá. Seria separado dos meus irmãos e do Gustavo, ele me chamava de inútil, e que a única coisa que eu iria saber fazer era roubar, mentir e bater nos meus colegas.

Lados Opostos - Parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora