16² • NÁUFRAGA

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• NÁUFRAGA •










O ar tem cheiro de rosas.

E é engraçado que esse seja o meu primeiro pensamento, já que, na última vez em que me lembro, o meu barco estava explodindo e eu estava vendo a minha garota ser levada pelo mar.

Letitia.

O leve pensamento de seus olhos azuis arregalados de pânico enquanto a água a engolia me faz sentar abruptamente. Abro meus olhos no mesmo instante e um gritinho vergonhoso escapa dos meus lábios assim que meus olhos se acostumam com a claridade e vejo exatamente onde estou.

No meio do mar, sentada em uma bóia em formato de flamingo cor-de-rosa.

— Bom dia, flor do dia — uma voz melodiosa graceja ao meu lado.

Respiro bem fundo antes de encará-la.

Eu não preciso nem pensar em quem é a loura diante de mim, relaxando de biquíni e óculos de sol em uma boa idêntica à minha. Ela sorri, e é tão malditamente perfeito que eu tenho vontade de socar seu rosto bonito.

— Será que pode se transformar em outra pessoa? — pergunto, e então acrescento. — Por favor.

Afrodite inclina a cabeça, parecendo curiosa.

— Achei que gostaria de ver sua amada, ao invés de um rosto qualquer.

— Eu prefiro ver um rosto qualquer, ao invés de ver o rosto dela em alguém que não é ela — minhas bochechas esquentam furiosamente, mas não me atrevo a desviar o olhar de seus olhos cobertos. — Por mais que suas intenções tenham sido boas.

É bizarro ver uma deusa se tomar outra aparência diante dos seus olhos. Ela não brilha, nem nada, é como se meus olhos estivessem embaçados e eu precisasse piscar para enxergar melhor, e então ela era uma mulher de pele cor de chocolate, cabelos castanhos e olhos caleidoscópios.

— Melhor? — sua voz é ligeiramente mais grossa agora, e eu assinto. — Ótimo, agora podemos conversar.

— Conversar sobre o quê? — eu detesto me sentir como um peixe fora d'água. Minha bóia balança violentamente com uma onda, molhando minhas botas. — Ah, hm, não podia ter escolhido um lugar melhor para conversar?

Ela solta um risinho e uma taça com uma bebida cor-de-rosa aparece em seus dedos. A deusa dá um gole generoso.

— É adorável como vocês, semideuses, sempre acham que estalamos os dedos e mudamos a situação de vocês — ela usa seus dedos para indicar toda a água em volta de nós. — Isso, essa situação, é inteiramente de responsabilidade sua, querida. A única coisa que fiz por você foi colocar essa bóia adorável sob seu corpo. De comida de hipocampo, você passou a ser náufraga. Adorável, não?

Pisco, esperando que ela comece a rir e me diga que é uma piada, mas Afrodite só dá outro gole em sua bebida.

Então é isso: estou à deriva no Mar de Monstros. Numa bóia. Com a deusa do amor de companhia.

— Certo — engulo em seco. — Se você me salvou, suponho que seja por alguma finalidade, o que nos leva àquela conversa de antes.

— Ah, sim, a nossa conversa — ela se ajeita sobre o inflável e a droga do flamingo nem mesmo estremece com os movimentos dela. — Querida, o que, em nomes de Hades, está fazendo?

Ah...

— O que?

Afrodite literalmente bufa.

— Sinceramente, Clarisse, eu sempre achei que os filhos de Ares fossem mais espertos, com essa coisa da guerra e tudo o mais, mas, sinceramente, você é uma porta!

did i mention • clarisse la rueOnde histórias criam vida. Descubra agora