10. Vaga-lumes no Estômago.

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10.

As ruas, as quais nós duas passávamos com certa velocidade, estavam vazias e silenciosas. O ronco do motor da moto era a única coisa ouvida por nós fora a música que ainda ressoava em nossos ouvidos num volume agradável. Eu já não sei mais o que está tocando, não me preocupo com o horário, com os riscos que corremos e até esqueço como se fala japonês. Não escuto o que a música diz, não tento entender, não sou fluente em linguagem verbal alguma. Só quem fala agora é o resto.

Tirando eu, tudo é resto. E todo o resto fala para mim alguma coisa que eu me recuso a entender. Eu simplesmente não quero entender, não dessa vez, não agora. Eu sou apenas um corpo, sem uma mente frenética, sem pensar demais, sem seguir tantas regras. Eu sou só um corpo numa moto, com alguém que não deveria estar pilotando, ou respirando, andando em ruas vazias e nunca antes visitadas por mim em tantos anos residindo Seul.

Eu era o corpo que recebia o vento, que ignorava as falas não verbais do resto, o corpo que agora não pensava, o corpo que tinha atingido o objetivo ao sair de casa, o corpo que conseguiu esquecer os erros e os perigos, eu era o corpo e o resto.

— Quer parar um pouco? – Ouço a voz de Dahyun e logo sinto a velocidade diminuir antes de uma resposta.

— Parar aonde? A essa hora?

— É tranquilo, já vim aqui umas duas vezes com o JK.

A moto parou, nós descemos e ela, indo na frente, me guiou para o tal lugar tranquilo. Eu estava tão absorta em mim e ao mesmo tempo no nada, que nem me dei conta que o lugar era a parte de trás de uma igreja.

Eu conhecia aquela igreja, todo mundo conhecia. Era a mais famosa do país, tinha várias espalhadas pela Coreia do Sul, onde estávamos era só mais uma. Ela ficava num alto, quase morro. Na frente da igreja, tinha bancos, uma estátua de cobre, postes bonitos e muitas plantas verdes. Algumas casas chiques também ficavam ali perto, mas nunca atrás.

Como a igreja era num morro, o ponto alto não era muito quisto para casas. Era um bairro afastado do centro, das novidades e do asfalto. A estrada era de terra, com algumas árvores grandes ao fundo e plantas rasteiras na lateral da estreita passagem que se formava a perder de vista.

Não fomos tão adentro naquela estrada, paramos exatamente atrás da igreja, onde dois tocos de árvore serviam de bancos. No chão, eu vi garrafas vazias de soju, bitucas de cigarro e um cheiro forte de areia molhada.

— Pelo visto, não somos os únicos a frequentar esse cantinho. – Dahyun disse ao chutar levemente umas garrafas vazias. – É uma igreja, Sana, não um cemitério. Pode tirar essa cara de enterro.

— Não estou com cara nenhuma, só estou analisando tudo. – Sentei-me no banco, ao seu lado. – Vocês vieram aqui fazer o que?

— Quer a verdade mesmo?

— Claro que quero.

— Ok, mas não vale brigar comigo quando eu contar.

— Não prometo nada.

— Então eu não conto, espertinha. – Deu de ombros.

— Beleza, eu prometo.

Fui vencida pela curiosidade, mas se bem aprendi com Tzuyu, para mentir que prometeu, basta cruzar os dedos. Odeio admitir que fiz essa bobagem mesmo sabendo que não muda em nada.

— A gente veio aqui conversar, a princípio. Mas ele tinha trazido cigarro, aí eu provei. Achei terrível. Sempre morri de nojo, meus tios fumavam muito e eu odiava o cheiro daquilo. Parecia cola, não desgrudava da roupa, do hálito, do cabelo. Eca.

Agridoce, Plural & Fantasia | SaiDaOnde histórias criam vida. Descubra agora