𝐒𝐎𝐔𝐕𝐄𝐍𝐈𝐑

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Matias puxou uma gaveta relativamente grande no fim de uma das estantes

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Matias puxou uma gaveta relativamente grande no fim de uma das estantes. Nela, havia incontáveis papéis, carimbos e frascos vazios, tudo em uma bagunça incontrolável. Enfiou um dos braços até o fundo da gaveta e vasculhou, estava a procura de algo. Antes que eu pudesse me oferecer para ajudar, minha atenção foi desviada para Louise que percebeu minha curiosidade e se aproximou.

Tirou seu suéter de tricô bege e pôs em meus ombros, não estava frio, mas aquele gesto me consolou como quem toma chocolate quente em um dia chuvoso. Me ajudou a sentar em uma poltrona azul que eu não sabia que existia até então e se acomodou num banquinho de madeira à minha frente.

— Entendo que esteja confusa, chérie. - começou e acariciou o dorso da minha mão.

— Sinto muito... Isso é demais para mim.

Eu realmente me sentia culpada pela intromissão no "mundo" deles, mesmo ainda não sabendo o que realmente eram. Contudo, por algum motivo eu deveria está ali e para descobrir o porquê, teria que deixar minha racionalidade de escanteio.

— Nós entendemos, Élise! - sorriu. — Podemos explicar o que quiser saber, estamos felizes que tenha conseguido recuperar as memórias!

— Recuperar memórias... do que a senhora está falando? - soltei um risinho achando graça.

Ela franziu a testa, seus olhos se inquietaram e as carícias em minha mão cessaram. Olhei para Pierre do outro lado da sala, ele estava com uma expressão de confusão no rosto assim como Matias que tinha parado sua procura após me ouvir.

— Você... não lembra? - perguntou incrédula como se fosse uma obrigação minha.

— Lembrar do quê? Do que estão falando? - minha voz ficou baixa e amedrontada.

— Da sua vida em Douce Étoile...

— Não... - respondi baixinho.

Louise afastou-se e se comunicou com seu noivo por olhares que não consegui entender. Depois se aproximou de Matias para sussurrar algo em seu ouvido e saiu da sala com Pierre.

Eu me senti uma telespectadora assistindo a vida do protagonista desmoronar. Aquelas vezes em que você se compadece das dores do personagem principal e percebe que ele está entrando em um túnel sem fim, um caminho sem volta, por está sem escolha. A diferença é que eu não era mais a leitora ou a pessoa que assistia, eu havia me tornado o personagem principal. E o problema é que protagonistas sofrem para se conformarem com um final não desejado.

— Docinho... - chamou Matias me tirando do meu transe.

— Não me chama assim, não quero falar com você... - me encolhi na poltrona e fiz uma careta de dor quando senti meu tornozelo reclamar.

— Mas precisa me escutar! - colocou o banquinho para mais perto de mim e sentou-se. — Eu suspeitava que você não tivesse recuperado as memórias e...

— Então porque não me contou?! - gritei — De que porcaria de memórias vocês estão falando? Aliás, faz tempo que estou te pedindo respostas e você só me deixou mais confusa com... tudo isso! - me referi a sala onde estávamos.

— Precisa confiar em mim!

— Não me diga! Por que tenho que confiar em você? Porque me salvou? Ou porque sinto uma ligação estranha contigo? - o bombardeei sem lhe dar a chance de responder.

— Porque você só tem a mim agora! - esbravejou e eu me calei surpresa. — Sou o único que tem as respostas que você precisa! Então para de ser teimosa e me escuta! - sua respiração pesou.

Eu estava com medo. Não dele, mas de suas explicações. Minha vida sempre foi pacata, monótona e sem grandes aspirações.

Até os dezesseis anos, morei numa cidadezinha no interior do Nordeste, só comecei a desejar sair do país quando conheci meu pai. Ainda lembro a vez em que minha mãe e eu tivemos uma conversa e ela confessou achar melhor que eu morasse em outro país. "Sua vida será melhor!", disse ela. Pude vê o olhar dela de saudade e orgulho quando percebeu que eu não era mais uma garotinha assim que me formei na universidade. O maior medo que eu conhecia era o de está longe dos braços da minha mãe, longe de casa.

— Eu não quero te assustar... - baixou a voz — A verdade é que somos magos de Douce Etóile, uma cidade mágica construída nas ruínas por Lady Clemence séculos atrás.

— E... o que eu tenho a ver com essa cidade que nem conheço? Porque tenho que lembrar disso? - questionei um pouco mais calma.

— Você vivia em Douce Etóile quando era pequena, nós vivíamos lá! Depois da guerra, tudo mudou... Fomos obrigados a deixar nosso lar, nosso povo, nossas famílias para nos refugiarmos aqui. - sua voz refletia a mágoa que estava sentindo. — Lady Clemence no seu último suspiro de vida e magia, apagou nossas memórias para nós poupar do sofrimento amargo de nossas perdas...

— Então... minha vida é uma mentira?...

Pequenas lágrimas brotaram em meus olhos. Tudo o que eu acreditava ser real, meus amigos, meu emprego, meu apartamento minúsculo, o mundo que pensava conhecer, era uma farsa.

Não queria chorar, mas Matias estava usando uma blusa de lã verde musgo e de repente seu ombro se tornou tão confortável e aconchegante para derramar algumas lágrimas. Ele olhou para mim como quem olha para uma criança que acabou de perder seu brinquedo favorito e está com medo de que jamais o veja novamente, se aproximou e me envolveu nos braços em um abraço meio desajeitado. Seu aroma de canela característico invadiu meu nariz, mas dessa vez eu insisti em não me importar, prometi para mim mesmo que só faria isso por hoje.

Não consegui mais me segurar, as lágrimas cairam como chuva em um dia tempestuoso e nublado, arrastando tudo o que um dia tinha considerado meu.

Há uma frase de O Pequeno Príncipe que diz: "Ce qui fait la beauté du désert, c’est qu’il cache un puits quelque part." (O que torna belo o deserto, é que ele esconde um poço em algum lugar). Pensei na hipótese de que minha vida naquele instante fosse um deserto sem fim, sem água ou galhos secos, mas que talvez, só talvez mesmo, aquele abraço tão simples e meio sem jeito, fosse o poço escondido no meu deserto.

 Pensei na hipótese de que minha vida naquele instante fosse um deserto sem fim, sem água ou galhos secos, mas que talvez, só talvez mesmo, aquele abraço tão simples e meio sem jeito, fosse o poço escondido no meu deserto

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Oi estrelinhas!

Capítulo bem curtinho, mas importante para a história.
Vou demorar um pouquinho pra postar o próximo, por isso não desistam de Élise e Matias, pfvr!
É isso, tenham uma ótima semana!💗

Tchau!

𝐌𝐚𝐠𝐢𝐚 𝐜𝐨𝐦 𝐂𝐚𝐧𝐞𝐥𝐚Onde histórias criam vida. Descubra agora