57: Tornando-se um Stalker

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É um alívio consumidor,Dilúvio de emoções a fio

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É um alívio consumidor,
Dilúvio de emoções a fio.
Ele derrete e estremece,
Apagando a chama do pavio.

Lorenza recitou o poema, segurando o livro de contos e memórias em uma das mãos enquanto caminhava de um lado ao outro na sala de aula. Sabia todas aquelas palavras escritas de co, pois aquele era um dos seus poetas favoritos. E, mesmo prestando atenção no caderno, a professora observava os alunos sem que estes soubessem.

A maioria prestava atenção, mas haviam os que dormiam, conversavam ou viajavam em seus próprios pensamentos. Preferindo ignorar os distúrbios externos, ela continuou transmitindo as emoções por trás do texto:

Sentia nos ossos o ardor,
enquanto a vida esmorece.
Um descanso há poucos passos,
Para aquele que não merece.

Philip fazia parte do grupo de estudantes distraídos. Entretanto, em vez de puxar conversa com os colegas, ele mantinha sua visão grudada no horizonte lá fora, além dos muros cercados do colégio.

A vista da janela era hipnotizante e quando todos tinham aula os pátios, as estradas e as árvores ao redor mantinham o silêncio, rompido vezes ou outra pelo grasnar dos pássaros. Ele mesmo ficou em silêncio, tendo seguido até o seu lugar sem ter contato com nenhum dos outros alunos, apesar de ter se surpreendido por estar na mesma turma que Osíris; quem deveria tornar-se um amigo.

Com um lápis em mãos, Philip rabiscou o próprio nome no canto da folha. Não tinha mais do que dois anos que aprendeu a ler e escrever, e não usava muito aquela habilidade, por conta disso, sua caligrafia tinha curvas demais ou detalhes de menos. Tentou focar no que estava sendo dito pela professora e escreveu as palavras do poema como treinamento, mas ela falava muito rápido e as palavras escorregavam fora da sua mente antes que conseguisse escrevê-las.

Preso por algemas de tecido,
a dor apenas com a revolta.
Sentia-se vigiado, guardado e protegido,
Dentro daquela caixa panóptica.

O que significava panóptica? Levantar a mão iria lhe dar a resposta, mas chamaria atenção indesejada.

Resistiu ao conforto no primeiro momento,
Vigiava o morto com seus olhos atentos.

— Lady Everheart, o que é uma caixa... — Uma garota, sentada nas cadeiras da frente, interrompeu.

Philip fitou a parte detrás da cabeça dela da sua posição afastada, na última fileira. Bem, ao menos pode contestar que a sua falta de conhecimento não foi burrice. Ao menos, haviam outros adolescentes com a mesma pergunta.

A instrutora baixou o livro e caminhou até o centro da sala, olhando para cada um dos rostos presentes sem dizer nada. Lorenza executa um giro de 360º, fitando as crianças confusas. Mas quando seus olhares se cruzam, o garoto evita manter contato. Estranhamente, pareceu perceber um brilho de curiosidade nela ao encará-lo.

— Estou tendo uma visão panóptica de vocês neste momento. A ideia da palavra é ser vigiado a todo instante, sem cessar; ter todos os seus movimentos capturados pela figura do "vigilante". — Com uma pausa, ela volta até o quadro, ouvindo o coro de murmúrios surpresos. — Não há segredos. Ele sabe de tudo.

Adotando um tom sombrio, a mulher apresenta a ideia de forma pesada. A sua última frase colocou uma imagem na cabeça do Philip, uma pessoa que ele conhecia: o irmão mais velho.

— Dispensados. Discutiremos as emoções do prisioneiro na próxima aula.

O som de vozes se tornou mais alto, assim como os cadernos fechando, bolsas sendo levantadas e cadeiras arrastadas. Philip juntou todos os seus pertences com pressa, contando cinco segundos antes de seguir Osíris porta fora. Não queria se tornar um stalker, mas era a única forma de conhecer um pouco do seu "amigo" antes de se apresentar.

Eles desceram as escadas e circularam pelo prédio até chegar na entrada de uma das quadras. Osiris continuou por um beco à direita da construção até chegar em uma área aberta dividida por níveis, onde parou, encarando a rua. Dessa vez, Philip desviou por outro caminho, tomando uma posição elevada com vista privilegiada.

Haviam outras pessoas esperando o seu alvo, três garotos mais velhos, dois com broches azul e outro rosa. Eles sentavam em bancos improvisados e jogavam cartas. Um deles tinha um cigarro pendurado nos lábios frouxos, e não levantou a cabeça ao falar. Suas próximas palavras deixaram claro que o encontro não foi uma coincidência.

— Trouxe tudo?

Osiris puxou uma tela de pintura da bolsa e entregou a peça para o aluno mais próximo na roda de jogatina e este a colocou no centro. Era possível ver a paisagem verde e azul, mas não distinguir os detalhes por conta da distância.

O aluno de artes, provavelmente de outra sala, um ano ou dois avançado, fez uma carranca, insatisfeito com o resultado. Por que ele não gostou da peça? Mesmo de longe, Philip podia constatar a qualidade da obra, muito melhor do que ele poderia fazer em toda a sua vida.

— Azul? O mar do leste é verde claro! — O estudante reclama, mencionando a cidade a qual foi referência ao desenho. — Se eu apresentar esse lixo, sabe o que vai acontecer com as minhas notas?

O menino não respondeu. Na verdade, Philip não tinha visto ele dizer nenhuma palavra, nem na sala, nem no palco onde o vou pela primeira vez.

Jogando as cartas no chão, o adolescente se levanta. Ficando vinte centímetros acima do loiro, seu punho é lançado na sua barriga, lançando-o para longe.

— Elas vão cair, assim como você. — Comparou sua violência com as notas, como se estivesse fazendo uma ilustração.

Sem dar tempo de a figura encolhida reagir, uma barragem de chutes atinge-lhe os ombros e as costas. A intenção do mais velho não era feri-lo gravemente, porque evitava pontos vitais e a cabeça, mas causava dor, e danos internos.

Fechando as mãos em punhos, Phillip sabia que deveria tomar uma decisão ao ser testemunha. Poderia se esconder e fingir que não viu nada ou se intrometer e correr o risco de se tornar uma vítima. Ele já esteve naquela posição; escapou não havia muito tempo.

As feridas ainda estavam frescas e não se sentia preparado para colecionar outras. A suas pernas mandavam-no correr, mas o sorriso presunçoso dos azuis sentados, observando o show de horrores fez o seu sangue ferver.

Antes que pudesse pensar com clareza, arrancou a mochila das próprias costas e atirou como um frisbee na cabeça do agressor, que sem saber o que o atingiu e como, foi levado ao chão, sendo esmagado pelo peso dos livros que caíram como uma bala de canhão no seu rosto.
Estava feito. Tinha arrumado problemas.


Nem a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora