116: Nova Vida

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SUA VIAGEM DEVERIA ter começado com bom humor, mas a despedida não facilitou nada

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SUA VIAGEM DEVERIA ter começado com bom humor, mas a despedida não facilitou nada. Lúcio contou ao pai seus planos de viagem antes dele partir na madrugada fria, e, apesar de ficar surpreso com a sua intenção de se alistar, Anthony não tentou impedi-lo. Ele nunca tentou. Lucio sempre teve a liberdade de tomar as suas próprias escolhas, e sofrer suas consequências, de acordo. Ele não sabia dizer se eram essas qualidades de um bom pai, ou de um progenitor desinteressado e negligente.

Todavia, Ana não foi tão compreensiva. Eles haviam tido uma longa discussão, com uma série de xingamentos. Ela havia jurado não escrever cartas e cortar contanto, e comentou sobre como não iria receber o seu corpo quando o serviço funerário batesse na porta. Apelando às estatísticas de morte, e os horrores da guerra.

Irmãs mais novas poderiam ser insuportáveis. Porém, ele reconheceu sua revolta como fruto de preocupação e, quando os dois se abraçaram por longos minutos na porta de casa antes dele subir no cavalo, Lúcio soube que ela ficaria bem, mesmo sem ele.

Ana era uma força da natureza, imbatível. Seu erro foi ter esquecido. Além disso, o risco maior foi eliminado. Ela poderia voltar a ser a menina de sempre, sem a sombra do Conde Lesly. Ele se certificou disso, e, dessa vez, não existia rota de escape. Era o fim, definitivo.

Lúcio colocou o cavalo em um trote fixo, mantendo uma velocidade confortável onde poderia ler sem deixar as letras borradas. Duas cartas chegaram à sua residência no dia anterior, mas o jovem ainda não tinha tido tempo de lê-las. Então, ele retirou os papeis dobrados de dentro do bolso do colete e rasgou o selo com as unhas.

A primeira carta veio do colégio Antiqua. Eles informaram ao responsável por Philip Nottle sobre a cúpula realizada entre ele e outros três garotos, e a sua vitória; disseram que o estudante estava bem, apesar de um braço quebrado; e Lorenza Everheart, professora sênior de Arte e Literatura, ficou responsável pelos duelos.

"Puta merda". Com certeza, ele conhecia aquela professora de quem estavam falando. Quando Taka disse que a sua irmã trabalhava em Antiqua com poesia ou algo assim, ele não a imaginou tão perto do seu meio irmão bastardo. "Ela sabe que somos parentes?"

A carta não deu nenhum indício de conhecimento. Além disso, as chances dela saber eram pequenas. Afinal, eles haviam se conhecido por uma tarde, durante a caçada, mas não possuíam uma amizade forte.

A outra carta veio do próprio Philip, deixando-o intrigado com o remetente. "Ele escreveu de volta? Esse é o verdadeiro milagre".

A mensagem da missiva foi uma frase: vou cuidar dos meus problemas sozinho. E o ponto final era uma mancha gorda no papel. Lúcio havia o alertado sobre se envolver em confusões novamente, mas seu aviso não foi escutado. Em vez disso, o menino convocou uma cúpula! Um evento público entre centenas de alunos.

Estalando a língua, precisou reconhecer. "Esse garoto é um saco".

Enquanto Philip estivesse vivo, continuaria dando dor de cabeça. Percebeu tarde demais aquela verdade. Seja no orfanato, na escola ou... Na floresta atrás do castelo, onde uma adaga cravou nas suas costelas... Philip sempre dava um jeito de se envolver em confusão. Um dom ou uma maldição?

"Ao menos, ele ganhou". Não iria fazer nada contra um vencedor. "Se ele acha que dá conta..." Então, que seja. Não tinha intenção de limitá-lo, mas não queria vê-lo cair na desgraça. Entretanto, Philip havia melhorado bastante seu método de resolução de problemas, ao menos, usou meios oficiais, dessa vez.

Lúcio não era santo, estava longe disso. Ele mesmo tinha lutado dias atrás em uma arena de vida ou morte contra um inimigo, cercado por nobres sedentos de sangue. Não poderia ser moralista. Porém, sabia quando escolher suas batalhas. Mas, confiar que Philip também sabia tomar decisões sábias exigiria um nível de confiança que ainda não foi construído entre eles.

Com um suspiro, o rapaz passou a mão no seu brinco. Havia os colocado de volta, e não precisava mais escondê-los. Na verdade, estava armado até os dentes, como usual. A criminalidade não poderia ser subestimada. Fora da capital, a vida não estava tão próspera. Os impostos, a falta de suprimentos e ajuda colocou muitas pessoas na sarjeta. Viajar sozinho envolvia riscos.

Ao sair, Lúcio colocou uma adaga em cada perna; a espada na cintura e outra faca nas costas, por precaução. Além disso, deixou algumas armas escondidas no equipamento do cavalo.

A sua égua faria todo o percurso até o extremo norte sozinha. Ele também a usou no passado quando precisou viajar até o front, quando sua família perdeu os títulos e o exército era sua única escolha. Assim, a puro sangue na cor preta tinha o acompanhado em duas vidas, pelo mesmo trajeto.

Ele acariciou seus pelos, abaixando o rosto até encostar os lábios na sua cabeça. O animal relinchou contente e o garoto abriu um sorriso. Poderia confiar nela para cumprir aquele trabalho.

Seu amigo mais fiel não era uma pessoa, e nunca o trairia. Infelizmente, precisou vendê-la quando não podia mais cuidar dela. Foi uma das decisões mais difíceis que precisou tomar em toda a sua vida, porque a égua representava mais do que um meio de transporte; a considerava parte da família.

Em tempos antigos, Lúcio tinha perdido o pai, a mãe e a irmã estavam longe, e só lhe restava aquele elo com o baronato. Mas a necessidade arrancou-lhe a amiga com uma risada cruel, afundando seus sentimentos em um abismo.

"Hoje, eu tenho dinheiro pra construir uma chácara só pra você, sabia?" Deu dois tapinhas no seu lombo, segurando a corda. Ela não sabia, mas não importava. O lucro da sua parceria com os remédios, juntando com a bolada ganha no acordo com Adson, garantiu verba suficiente para pagar as mensalidades do colégio e juntar uma quantia no banco.

Seguindo a estrada, a viagem até as montanhas levaria cerca de três dias. A paisagem os cercando naquele momento não passava de matos altos e árvores frondosas. A brisa trouxe um vento fresco, apesar do sol no alto. As poças de lama tinham secado, e a grama cobrindo os buracos mostrava os resquícios de uma primavera colorida.

Eles iriam passar por cidades, vilarejos e rios, mas seu caminho não seria reto. Seu destino estava dividido em duas paradas, e, primeiro, Lúcio precisava fazer uma visita. 

Nem a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora