97: Amaldiçoado

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Submerso no fluido viscoso de origem endógena, afoga-se sem cerimônia em seu próprio veneno

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Submerso no fluido viscoso de origem endógena,
afoga-se sem cerimônia em seu próprio veneno.
O choque anafilático lhe apertou o peito e traqueia,
descendo pela boca aberta em carbono e benzeno.

Enquanto sentia o sangue se misturando com a saliva na boca, Philip se lembrou daquelas palavras – cada uma delas. Era o poema escrito pela professora, Lorenza Everheart, de literatura, responsável pela sua classe.

Ele virou e cuspiu, despejando o plasma na pedra fria. Antes mesmo de fechar a boca, outro golpe atingiu suas costelas, fazendo-o cerrar os dentes. Por que ele? Porque era magro e parecia doentio? Mantinha a cabeça baixa e tentava ficar longe de problemas?

Mas eles sempre o encontravam, assim como aquela estirpe suja. Todavia, o motivo dessa vez era o único momento feliz do seu ano. A única conexão estabelecida com um grupo de pessoas, além da sua mãe e da Felícia.

— Vai continuar brincando com a escória, senhor Nottle? — O agressor perguntou, interrompendo a violência para recuperar seu fôlego.

Até mesmo eles ficaram cansados, mas o outro entrou logo depois, sem perder uma batida da dança. O jogo era muito divertido. Era soco, pergunta, chute, zombaria; e se repetia com uma série de risadas. Aqueles dois fizeram da sua missão pessoal colocá-lo no caminho "certo", depois de vê-lo conversando e comendo com os Mavros.

O mais jovem, estava no seu primeiro ano; filho de um Barão, assim como ele. Refrescando-se com uma garrafa de água, as gotas deslizaram pelo seu queixo, caindo no rosto deitado no chão de Philip, hidratando seus lábios rachados com seu suor misturado com o líquido.

— Quer ser plebeu? — Continuou, entre respirações, mantendo um sorriso.

Quanto a resposta, só veio um novo trecho a mente:

Amaldiçoado, detestável, abominável; criação maldita.
Causou a si próprio seu final trágico derradeiro.
Ao preencher seus pulmões com o último gole de ar,
Livrou-se da crença do destino, e deu às costas ao espelho.

— Acorda! — O mais velho se abaixou, ficando da sua altura, balançando o seu corpo com força. Se ele desmaiasse daria mais trabalho para eles, e ninguém queria lidar com aquela dor de cabeça.

— Pegamos pesados demais? — O filho do Barão chutou sua mão de leve, buscando uma reação, mas Philip mal abriu os olhos.

Estava fraco e sentia gosto de ferro na boca, além da terra grudando no seu cabelo e entrando no nariz, o fazendo sufocar aos poucos. Supostamente, seu alívio seria deixar seus novos amigos e se juntar a "nobreza", assim, eles o deixariam em paz. Mas quem garantiria a veracidade das suas palavras? Não podia confiar em quem machucava inocentes.

— Ei, acabou a brincadeira. Vai embora. — Tirando uma caixa de cigarro do bolso de trás, o segundanista se jogou, encostando na parede. Havia cansado de bater; até os mais fortes cansam.

O seu lacaio pareceu apreensivo, mas aceitou um trago, limpando a ponta da bota suja do sangue cuspido com nojo. Não sabia o motivo de fazerem aquilo, mas gostou da adrenalina. Nunca se sentiu tão vivo antes.

Philip havia mentido para Osíris. A pessoa sentada fumando era o mesmo jogador de cartas. Ele havia o encontrado e adivinhando quem atirou a mochila da última vez, tornando sua missão pessoal se vingar da sua audácia. Então, talvez, se não tivesse se metido, nada disso aconteceria.

Seus movimentos exalam uma cortina de fumaça púrpura.
Sua revolta evoca o lamento da sua alma impura.
Seus olhos injetados de sangue desfocados e cegos,
Buscam um ponto fixo a qual se firmar no cemitério.

— Não acabou. — Ficando de joelhos, Philip falou, expelindo a frase através da garganta rouca. Agarrou o estômago, sentindo a dor de ao menos uma costela lesionada. Ao menos, aqueles dois não sabiam bater como homens. Miguel ¹ sim havia quebrado alguns ossos.

¹ O bullying do orfanato, apresentado no ato 2 capítulos?

Hã? Disse alguma coisa, senhor Nottle? — O garoto expeliu a fumaça, mas teve uma ideia melhor. Estendeu o braço e apagou as cinzas nas costas da sua mão, apoiadas, tentando se erguer de pé.

Porém, em vez de cair, Philip o afastou, enfiando as unhas no seu braço. Havia as deixado crescer por semanas, com o propósito de usá-las como armas. Pelo de surpresa, o jovem reclamou tentando se afastar, mas quanto mais puxava, pior a dor ficava.

— Uma cúpula contra vocês dois, e se eu vencer, vocês ficarão longe de mim e dos Mavros.

— Deixa eu ver se entendi... Está nos convidados pra competir quando acabou de levar uma surra? Lutar não é o seu forte. — Ele riu, jogando a bituca longe para sua mão livre ajudá-lo a se livrar do aperto. Agora, se tornou uma disputa de força.

Mesmo evitando seus caminhos, mesmo tomando rotas alternativas, eles o encontravam uma hora ou outra. Usar o anel ajudou nas primeiras vezes, mas depois eles se acostumaram com sua arma e passaram a evitar seu ataque. No fim, sempre apanhava. Mas se fosse um de cada, tinha confiança de mudar o jogo; ainda mais com uma espada.

Philip o soltou, dando passos para trás enquanto se afastava antes de ser pego novamente. Limpando o queixo, deixou um rastro vermelho na manga do casaco, mas seus olhos dourados se fixaram no rosto dos dois agressores.

— Espadas. — E não tinha dúvidas sobre a capacidade deles de utilizarem uma lâmina de aço, porque todo filho de casa nobre treinava mais cedo ou mais tarde. Sua desvantagem estava em ter começado tarde, mas não nas suas habilidades. — Não é um convite. Ou vai se acovardar?

Sua provocação foi recebida com olhos semicerrados, mas logo se abriu um sorriso arteiro e convencido. O jovem respondeu: — E o que eu ganho com isso?

— Você não vai ganhar. — Ameaçou com voracidade, fazendo o sorriso feliz do outro se tornar rígido.

— É o que vamos descobrir, seu bastardo.

Philip sabia que o insulto não passava de um xingamento, mas aquele adjetivo colocou sua mente em uma espiral obscura, e, no seu ouvido, escutou Lorenza, sussurrando de forma cada vez mais aguda:

No emaranhado interno, um amontoado de emoções negativas,
Na sua língua o clamor: um último pedido de misericórdia.
Aos poucos, dissolveu-se no limbo quaisquer centelhas positivas,
E abandonou a consciência; um delírio da mente em discórdia.

"Preciso encontrá-la."

Nem a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora