10: Brinco

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Se alguém tiver curtindo dá um sinal de vida 😭

Descobrir que o seu irmão bastardo não era o homem de coração frio e sangue sombrio que pensava havia sido uma surpresa

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Descobrir que o seu irmão bastardo não era o homem de coração frio e sangue sombrio que pensava havia sido uma surpresa. Naquele momento, ele não aparentava o psicopata sem nenhum remorso que foge deixando a sua família desamparada, taxada como criminosa e excomungada.

Não, aquela cena que presenciou quase o fez acreditar que o incêndio tinha sido um acidente, mas as provas do caso na época deixaram claro que o ataque tinha sido premeditado.

O fogo começou em um lugar estratégico, uma ala que estava fechada para manutenção. Sem pessoas para vigiar o que acontecia, as chamas se alastraram rapidamente, e depois de queimar as portas de madeira caindo aos pedaços, não restou muita coisa que os criados podiam fazer.

Na calada da noite, muitos estavam adormecidos ou sonolentos demais para fugir com pressa; o desespero foi tão grande que adultos morreram.

Quando entrou no prédio principal durante o dia após incidente, a bile subiu a garganta, e Lúcio despejou todo o café da manhã no piso chamuscado. Os corpos pretos nas camas foram a pior visão que já teve na sua vida. Nem a guerra se comparava.

Como aquele garoto tinha feito isso? Era daquela resposta que precisava antes de agir.

Ele fez o caminho de volta para casa sem se preocupar em chegar antes do nascer do sol nascer; não precisava mais monitorar um garoto durante as próximas horas. É provável que ele ficasse em casa, fingindo que nada havia acontecido, buscando uma forma de conseguir o dinheiro do Barão, sem levantar suspeitas.

Lúcio fez uma parada às cinco da manhã na forja que já estava aberta. Os ferreiros trabalhavam diligentemente em seus projetos e o barulho dos martelos acertando o aço era uma cacofonia tranquilizante, junto ao calor das fornalhas. Aquele ambiente aquecia o peito e o lembrava do Castelo Real durante o inverno.

Ali, buscava um amigo. Um aprendiz que tinha conhecido anos antes quando era mais novo. Eles dois haviam estudado juntos por alguns anos antes de Lúcio ter sido mandado para um local onde o camponês não teria acesso.

Tinha feito uma encomenda especial — um artigo que ficaria escondido não importava o local que fosse. Ele pretendia fazer uma visita ao palácio em breve e nunca mais cometeria o erro de ir até lá desarmado.

— Cadê o Wallace? – Perguntou para o primeiro homem que viu na sua frente.

O local foi-lhe apontado e caminhou até uma das forjas atrás de uma coluna de pedra gigante.

Wallace estava agachado ao lado da mesa. Levava um cantil a boca e bebericava da água que escorria pelo seu queixo. Tinha olhos azuis brilhantes e a cabeça raspada; suas roupas estavam sujas e as palmas deixavam manchas em tudo que tocava.

Lúcio não usava luvas, mas mesmo assim apertou a mão do colega sem sentir nojo algum. A maioria dos aristocratas eram pomposos demais para até mesmo visitar um local como aquele, porém ele não ligava para tal futilidade. Depois de perder tudo, e mesmo antes disso, seu espírito livre e curioso o tinha permitido diversas aventuras em lugares muito piores, e naquele momento, o que importava era cumprir seu objetivo.

Naquele lugar, sua missão era verificar se a sua arma já tinha sido forjada.

— Que cedo. Não dormiu? – Questionou-o, limpando o suor da testa com a manga. Seu tom de voz era provocativo, com a pitada de humor.

Tinha achado o pedido intrigante, mas Lúcia tinha dessas. Estava ali para o que der e vier, logo iria desenvolver uma lâmina que cumprisse o propósito.

— O prazo é apertado – respondeu simplesmente. Debaixo do seu casaco grosso tinha adagas enfiadas em bolsos ocultos ou presas na sua bota.

Não tinha porque levar uma espada grande e visível na sua cintura, mas não ficaria desarmado nunca mais. Aquele era seu novo lema, seu princípio de vida.
O medo da morte rodeava seu pescoço como um laço apertado de uma forca.

Ele tentava não pensar muito nisso, em como esteve tão perto dela, tão próximo de perder tudo, se não havia perdido de fato. Ele tinha voltado no tempo ou assim pensava, pois não poderia pôr em palavras, nem começar a explicar o que tinha acontecido.

Mas esteve tão próximo da morte que o gosto do sangue ainda estava na sua língua.

Seguir Philip naquela noite não tinha sido apenas uma conveniência. Não conseguia dormir, não conseguia nem pregar os olhos, com medo de que tudo se repetisse ao acordar naquele quarto confuso, sozinho, mais novo, ou pior — nunca acordar.

Suas mãos tremiam de ansiedade a todo momento. A expressão no rosto deve ter mudado, porque o ferreiro ficou sério, se apoiando com as mãos para levantar e mostrar-lhe o que tinha escondido debaixo da lona da mesa.

O objeto era pequeno, do tamanho do seu dedo do meio. Era fino e pontudo e na base superior, havia um triângulo metálico, preso a um aro. Aquilo era um brinco.

Usar um brinco era muito comum entre nobres; alguns usavam penas, outros o ouro, outros joias e pedras preciosas, como diamante. Não havia distinção de gênero em acessórios, todos gostavam de se enfeitar daquela forma. Um brinco longo não chamaria mais atenção do que o necessário, talvez arrecadasse até elogios.

Lúcio não tinha a orelha furada, porque não gostava de adornos excessivos, maquiagem ou sapatos caros. Ele era um homem comum, de vestes simples de cores neutras. Mas estava disposto a mudar aquilo adicionando uma arma escondida ao seu modo apresentável.

— Por que um brinco? – Perguntou o amigo.

— Foi a forma mais prática que encontrei de levar uma adaga sempre próxima.

Ele toca o projétil na mesa com a ponta do dedo, testando o fio da lâmina. Um corte se forma no seu dedo e o sangue pinga.

— E a capa?

— Aqui – entregou-lhe um objeto de metal fino e oco por dentro que encaixava o acessório, mantendo o corte protegido.

Acenou com a cabeça, agradecendo. Não iria transcorrer sobre seus motivos nem explicar mais do que necessário. Não queria envolver ninguém na sua nova jornada. Não por medo de ser traído, nem por medo de ser chamado de louco mesmo sabendo que isso iria acontecer se tentasse contar o que estava acontecendo. Ele queria aquilo para si próprio, apenas.

A sua raiva era apenas sua, e a sua justiça seria aplicada pelas suas mãos; ninguém mais a executaria.

Ele seria o juiz, o capataz e o executor, tudo junto.

Nem a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora