75: Vossa Majestade

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Lúcio havia aprendido no exército que, quando alguém bate a cabeça, não pode dormir

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Lúcio havia aprendido no exército que, quando alguém bate a cabeça, não pode dormir. Por isso, se sentou no chão fitando teto, tentando manter os olhos abertos a todo custo.

Fayr se deparou com essa cena ao entrar pela porta, segurando uma única chave presa por uma corda. Diferente dele, a rainha não estava presa, apesar de ter escutado o clique da fechadura. Afinal, ela era a dona do palácio inteiro.

— Vossa majestade. — Ele cumprimentou, encarando-a diretamente apesar do zumbido no ouvido tornado cada palavra uma tortura.

— Não precisa levantar. — Respondeu, notando seu espírito abatido. Em seguida, ela ergueu o objeto nas mãos até uma altura visível. — Vim lhe trazer isso.

— Uma chave? — Não parecia um presente digno de ser levado pela realeza.

— Um voto de confiança. Você pode ir embora quando estiver se sentindo melhor.

"Confiança?" Zombou mentalmente com um sorriso de canto, erguendo a lateral dos lábios a contragosto.

— Quão generosa é, vossa majestade — agradeceu, sentindo o coração bater mais forte, prestes a explodir. — Pode me explicar o que está acontecendo? — Sua voz soou grave.

Em vez de responder imediatamente, a jovem caminhou até a cômoda e colocou o seu presente em cima, voltando a sua posição anterior logo depois.

— Acreditamos que a senhorita Manuela pode estar conspirando com espiões.

— Isso é um absurdo. — Lúcio apoiou o joelho no chão, porém, o movimento súbito causou náusea, por isso parou de se mover. — Manuela não é uma traidora.

A rainha olhou-o de cima, mas não se aproximou dele.

— Em uma das suas notas, ela diz ter se consultado com um virologista nativo do Norte; atual residente de Ouroboros. Esse homem está na nossa lista de vigilância desde o começo da guerra — revelou.

O homem procurou sinais de mentira no seu rosto, mas não encontrou nada. A mulher lhe deu detalhes valiosos, que não deveriam ser compartilhados com qualquer um. Por quê? Para ganhar sua confiança, e fazê-lo abandonar sua amiga? Lúcio conhecia o caráter de Manuela, e sabia julgar as pessoas.

Além do mais, aquela história não fazia sentido.

— Se ela estivesse espalhando um vírus mortal na capital, por que deixaria isso exposto nos relatórios?

Finalmente, conseguiu se levantar, dando um impulso com a palma aberta. Sua visão ficou preta, mas ele focou no rosto da Soberana, mascarando o desequilíbrio.

Ao vê-lo com clareza, a garota franziu o cenho, notando a lateral do seu rosto vermelha com partes roxas, onde as juntas da mão do guarda tocaram. Ela não tinha participado da confusão, mas ordenou que o trouxessem a um dos quartos quando soube da briga. Além disso, exigiu que ele fosse tratado como convidado, apesar das objeções do seu irmão mais velho.

Ela não fez isso por um senso de camaradagem, mas porque queria Lúcio ao seu lado durante o acordo com o Duque Elion. Já haviam "cutucado a onça" com a prisão da alquimista, logo, Fayr não quis agravar ainda mais a relação amigável entre eles.

— Ela poder ter tido informações privilegiadas e as usado para ganhar vantagem comercial. — Concluiu, sem titubear. 

 A cultura de Nychta girava em torno da lealdade ao seu clã; as pessoas se casavam no seu povoado, viviam a vida toda nas suas terras e lutavam pelo seu povo. Imigrantes do Norte eram raros, por isso, a polícia secreta mantinha um registro de todas as cinquenta pessoas espalhadas pelo país. 

Nesse momento de incertezas, ter uma médica importante envolvida com um dos suspeitos era muito perigoso, ainda mais quando aquela crise de saúde poderia influenciar no andamento da guerra. E, se precisasse sacrificar o Instrutor Real para proteger todo o resto, Fayr faria sem pensar duas vezes.

Todavia, na mente de Lúcio se passou outra linha de pensamentos. Nessa interação, descobriu quem a coroa suspeitava estar responsável pela infecção: o reino do Norte. Como se eles já não fossem conhecidos pelos seus golpes baixos e ataques a civis.

A razão de terem suspeitado de Manuela devia-se ao fato da sua cura milagrosa ter sido muito oportuna. Ela investiu em uma solução totalmente diferente dos outros, remando contra a maré, e saindo na frente.

Entretanto, a culpa era toda de Lúcio. Ele sabia demais, e a guiou naquela direção.

Quando fez seus planos, contou com a desconfiança, mas decidiu correr o risco. Fayr havia lidado com situações parecidas na sua vida passada, depois da guerra, mas apoiava sempre a causa de minorias, em vez de se prender as ideias conservadoras.

Na sua equação, o fator X, "ser apunhalado pela própria futura esposa" não foi considerado. Entretanto, sua fé foi desperdiçada.

—  De quem partiu a ideia de interrogá-la? — Precisou perguntar. 

Fayr mordeu o lábio inferior, pensativa. Parecia estar travando uma batalha mental sobre contar ainda mais ou calar-se.

— Do diretor da Academia. — Não foi ela quem o jogou aos cães. 

Alívio varreu seu corpo, mas logo percebeu o seu egoísmo. Se preocupava mais em manter sua confiança na dama intacta do que nas consequências daquela decisão a sua amiga. 

— E o remédio? — Tornou a questionar.

Manuela se dedicou horas e noites viradas para salvar a população. Se a medicação fosse impedida por conta do seu status ambíguo, ela ficaria devastada. Além disso, sua vida se baseava inteiramente na sua reputação na medicina. Se fosse a julgamento como criminosa, ninguém confiaria mais em suas habilidades.

— Vamos começar a produção o mais rápido possível.

A expressão de Lúcio caiu ao escutar aquela frase, cobrindo-se de desgosto. Aquilo parecia mais um plano para roubar a patente e recuperar a reputação da Academia, colocando o nome deles nas manchetes, do que dúvidas verdadeiras contra a índole de Manuela.

Mas Fayr permitiu. E apoiava aquelas decisões, acima de tudo.

— Então vai ser assim, hm?

Fayr fez o favor de parecer ofendida.

— A senhorita Manuela não é uma prisioneira. O chefe da polícia irá liderar o questionamento, e eu garantirei que, quaisquer que sejam os resultados, lidaremos de forma justa. — Declarou com um olhar sério, dando sua palavra.

"Você é mesmo capaz?" pensou; quis cuspir as palavras na cara dela. Duvidou da sua capacidade de fazer justiça, porque a situação atual estava deveras fora de controle.

— Eu tenho uma ideia melhor. — Lúcio lançou a isca.

Nem a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora