Quando eu olho pra você

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Charlotte pegou a estrada logo cedo, pois precisava estar em Chicago na quarta, onde se apresentaria em uma fraternidade de estudantes. Ela cantaria com a banda de Josh, um amigo guitarrista que ela conheceu em suas andanças.
Encostou sua caminhonete em frente à casa onde a festa aconteceria e se dirigiu para a parte dos fundos, onde já havia um palco montado e os membros da banda já ensaiavam. Josh veio ao encontro da amiga a abraçando e suspendendo.

- E aí, baixinha! - ele sabia que ela ficava irritada quando ele a chamava daquele jeito. Mesmo reconhecendo e respeitando os seus 1,58 de altura - Achei que não viesse mais.

- Sabe como é... - disse quando ele a soltou no chão novamente. - meu carro é meio temperamental.

- Quantas vezes ele quebrou na estrada?

- Duas. Mas já resolvi. - ela disse mostrando as mãos delicadas, sujas de graxa. Josh gargalhou.

- Só você mesma! Já disse pra vender aquela lata velha.

- Hey! Não chama o meu carro assim. - respondeu dando um murrinho no ombro dele. Seguiram para que ela cumprimentasse os outros meninos da banda e começasse a ensaiar com eles.

Charlotte colocou o violão no pedestal e deu uma conferida no repertório. Quase todo de rock e ela sabia que precisaria forçar sua voz naquela noite, pois o seu timbre era mais delicado e baixo. Ainda bem que havia levado suas balinhas de gengibre.

- Vou colocar duas suas hoje e mais duas nossas. Você escolhe quais quer colocar na lista. - disse Josh apontando para a lista de músicas. Charlotte pensou e decidiu por duas mais agitadas para não destoar muito do que estava ali e por ser uma festa de estudantes ansiosos por dançar.

Ela foi pra casa dos pais de Josh com ele para se arrumarem e comeu dos bolinhos que a mãe do amigo sempre fazia quando ela os visitava. Adorava aquela família e, mesmo nunca ter nem ao menos cogitado a hipótese de ficar com Josh, os pais dele sempre jogavam uma ou outra indireta sobre os dois, o que sempre arrancava gargalhada dos dois, que se viam como irmãos.
Josh era da idade dela mas não fazia o seu tipo. Charlotte o achava muito imaturo ainda e ela gostava de atitude e personalidade.

Se arrumaram e sairam. Quando chegaram na casa, a festa já havia começado e ela observou os participantes falando alto, bebendo e dançando. Mesmo ela tendo a mesma idade que eles, não conseguia se ver daquela forma. Ela amadureceu muito cedo e não tinha nenhum tipo de atração por aquele mundo completamente absorto da realidade.

Bebeu uma cerveja com o pessoal da banda antes de subirem no palco e depois fizeram duas horas de show bastante animado.

Charlotte acabou ficando com um professor de química na biblioteca da casa, enquanto a festa bombava lá fora. Mas o ficar de Charlotte não passava de beijos. Ela não conseguia ir além disso e depois se sentia mal por não se permitir experimentar algo novo. Sempre entrava em pânico quando alguém ia um pouco mais além com as mãos. Por sorte, aquele professor era um cavalheiro. Muito lindo, tinha pegada, mas era um cavalheiro que soube respeitar seus limites. Ela o agradeceu mentalmente por isso, mesmo sabendo que era sua obrigação como homem ser respeitoso.

No dia seguinte, saiu cedo de volta para Nova York, onde teria uma apresentação em um bar de Manhattan na sexta.

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Benjamim ouvia seu CFO apresentar o orçamento para o próximo ano com os olhos fechados. Era fim de tarde e ele estava com dor de cabeça. Apenas queria sair dali logo e beber, como fazia toda sexta-feira. Mas alguma coisa nele estava diferente. Ele, ao contrário das outras noites, não iria voltar caindo de bêbado pra casa. Estava farto disso! Deu alta para o seu psicólogo naquela manhã e decidiu que já que ele não conseguia forças pra sair daquele pântano, onde sua mente havia o enfiado, acabaria com aquele sofrimento ele mesmo.

Não tinha ninguém que sentiria sua ausência no mundo, nem mesmo sua mãe que estava com Alzheimer em uma clínica. Ele já havia deixado dois anos pagos e uma carta em sua gaveta dando as orientações para que a idosa não ficasse desamparada. Ela nem mesmo sabia quem era ele, por isso acabou desistindo de visitá-la. Não tinha estrutura para vê-la sofrer.

Ele sabia que o fim dos seus problemas seria naquela noite, porém não sabia como. Apenas sabia que não conseguiria se estivesse sóbrio.
Terminou sua reunião, se despediu daquelas pessoas que, graças a Deus ou quem quer que fosse, não veria mais, conferiu se a carta estava na gaveta do escritório e saiu em busca de algum lugar vazio para beber em paz. Não gostava de lugares lotados.

O executivo se sentou em uma mesa próxima ao palco onde, segundo um cara que parecia o dono, uma garota iria se apresentar. Pediu logo duas doses de vodka e uns amendoins para enganar a fome. Não queria estar com o estômago cheio de comida.

Às dez, uma menina subiu ao palco. Vestia um vestido branco delicado com botas pretas e jaqueta de couro. Ele achou o look controverso e engraçado. Acabou rindo e ela o olhou irritada enquanto pegava o violão.

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Charlotte observava sua plateia e era o mesmo perfil de sempre: casais apaixonados e bêbados solitários. Ela se identificava mais com estes últimos, apesar de não gostar muito de bebidas. Mas a solidão deles era um pouco parecida com a dela. Foi então que ela o viu rindo. Ele não estava sorrindo para ela e sim rindo dela.

Quem aquele idiota achava que era?

Tudo bem que Charlotte não era uma fanática por moda mas tinha um estilo muito próprio e autêntico de se vestir. O olhou com desdém. Ele tinha os cabelos pretos baguncados, a gravata afrouxada no colarinho e um semblante triste, apesar da risada. Ela sentiu um aperto em seu peito quando ele levantou os olhos claros para ela novamente e, mesmo que ela achasse que era loucura da cabeça dela, o homem parecia pedir socorro.

Charlotte desviou o olhar, cumprimentando o pequeno público e iniciou a sua apresentação. A todo momento sentia aquele par de olhos tristes a queimando. Se sentiu incomodada mas era um incômodo diferente daqueles que normalmente os clientes bêbados a causavam.
Fez uma hora de show e saiu do palco, indo direto para o bar tomar uma cerveja. Era o máximo que ela bebia na noite. Tentava não olhar para a mesa do engravatado triste, mas seus olhos acabavam sempre por desobedecê-la. Nate, o barman, a entreteve em uma conversa enquanto fazia o seu pagamento e quando ela foi pegar suas coisas para ir embora, viu que o homem não estava mais lá. Deu graças a Deus!

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Ben saiu caminhando pelas ruas, sem saber onde estava. Já era madrugada e o movimento havia diminuído. Foi abordado por dois caras que levaram sua carteira e celular, mas estava muito bêbado para pensar em reagir. Na verdade, ele nem precisava mais daquelas coisas, se bem pensasse não fariam mais falta. Quando deu por si, estava na estação de metrô. Estava frio e vazio ali. Decidiu que seria ali o fim de todas as suas angústias.

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