Capítulo 5

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Eu apoio minha cabeça enfaixada no vidro frio da janela do carro e observo as gotas de chuva refletirem o vermelho da luz de freio a nossa frente enquanto minha mãe dirige. Já faz duas semanas inteiras e eu ainda não consigo acreditar.

Eu achava que terminar o namoro seria a pior forma de perdê-la e a pior dor que eu poderia sentir, mas isso... Eu não posso consertar isso. Eu não posso comprar uma pulseira de berloques e consertar as coisas.

Ela realmente se foi. Enterrada no cemitério local há cinco dias em uma cerimônia que eu estava arrasada de mais para conseguir assistir.

Ao chegarmos em casa, eu fico parada na chuva, com a caixa de papelão do hospital apertada contra o peito. Dentro dela estão meus saltos, os farrapos que restaram do meu blazer e a pulseira de berloques que deve estar escondida em algum lugar dessa bagunça, seus elos vazios que nunca mais serão preenchidos.

A chuva para abruptamente. Eu ergo os olhos e vejo um guarda-chuva preto acima de mim. Minha mãe estica o braço para tocar o curativo ensopado na minha cabeça, mas eu afasto suavemente a mão dela. Eu não quero ser reconfortada ou cuidada. Não vai funcionar, de qualquer forma.

― Eu só quero que você fique bem ― ela sussurra para mim, sua boca quase mal se movendo.

Ficar bem.

Como se algum dia eu fosse encontrar um caminho para voltar a ficar bem. Ela me olha preocupada, mergulhando seus olhos nos meus enquanto pega as caixas das minhas mãos e a enfia de baixo do braço.

Preciso ficar sozinha.

Eu me firmo nas muletas antes de cambalear na direção da casa e subir na varanda, minha cabeça confusa enquanto tento não colocar o peso no meu fêmur despedaçado, agora sustentado por fios de metal. Ela me ajuda a entrar pela porta da frente enquanto eu faço a caminhada mais lenta do mundo até o porão, querendo uma dose daquilo que eles me davam no hospital e que me deixava cair do nada. Minhas muletas ecoam alto no chão enquanto ando, alto e constante, como a batida de um coração.

― Eu pensei que você podia ficar na sala ― minha mãe grita atrás de mim. ― Eu arrumei o sofá. Você não precisa se preocupar em subir e descer as...

― Eu quero meu próprio espaço. ― Digo com firmeza.

Então abro a porta do porão, o espaço que tem sido meu desde o segundo ano e, fazendo barulho, luto com determinação para chegar ao fim da escada.

Eu a ouço vindo atrás de mim e sua mão se enrola com firmeza em volta do meu braço assim que meu pé chega no último degrau.

― Espera, querida... ― ela começa a dizer, mas é tarde demais.

Acendo a luz e instantaneamente vejo pequenos buracos onde ela costumava ficar. Livros faltando na estante, o cobertor favorito dela que não está mas no sofá, até mesmo fotos sumiram da parede.

― Onde... ― eu começo a dizer enquanto empurro a porta do meu quarto e entro. Minha mão toca o prego onde a fota de formatura de Yas costumava ficar pendurada.

― Os pais dela vieram buscar as coisas que ela deixou aqui. Eu não esperava que eles...

― Eles levaram tudo ― digo, sentindo vontade de vomitar. Eu perdi o funeral e agora isso?

Todo Esse Tempo | FerlaneOnde histórias criam vida. Descubra agora