Capítulo 10

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Alguns minutos depois, eu congelo quando percebo onde estamos.

Aqui? Mesmo? De todos os caminhos que poderíamos ter trilhado, meus pés me guiaram automaticamente para esse, a trilha sinuosa do parque que chega no...

― Ah, eu amo esse lago ― Alane diz.

Eu dou um olhar enviesado para ela.

― Você já esteve aqui?

Ela assente e uma peça do quebra-cabeça entra no lugar. Talvez seja por isso que ela pareça familiar. Eu devo tê-la visto quando vinha aqui com Yas e Pitel.

O lago era um dos nossos lugares favoritos, especialmente porque normalmente ficava bem vazio no fim da tarde e definitivamente vazio à noite. Sem luzes em volta, toda a piscina de água e as árvores imersas na escuridão eram só nossas. Ali bebemos champanhe barata em copos descartáveis quando Yas conseguiu o posto de capitã das líderes de torcida e Pitel subiu na pedra do meio, agitando os braços, quando ela foi convocada para o estadual depois de uma temporada perfeita no terceiro ano.

Às vezes eu e Pitel vínhamos sozinhas se estávamos matando tempo depois do treino, ou Yas me encontrava aqui para resolvermos alguma briga.

Agora eu me pergunto se elas vinham aqui sozinha. Se foi aqui que Yas contou a Pitel sobre Berkeley.

― Mas eu fico daquele lado ― Alane diz, chamando minha atenção ao apontar para o outro lado do lago, onde há um pequeno bando de patos, seus pés cor de laranja contrastando com a coberta verde da grama. ― É onde ficam meus patos.

Não sei se meus olhos estão me enganando, mas eu juro pela minha perna boa que a grama parece mais verde daquele lado. É uma metáfora estúpida, eu sei, mas eu preciso de uma desculpa para me afastar do nosso banco e desse sentimento de garras no meu peito.

― Vamos para o seu lado, então. ― Eu começo a andar naquela direção, meus olhos encontrando os de Alane quando eu aponto o outro lado do lago com a cabeça.

Faço uma pausa para reajustar minha muleta e quando ergo os olhos vejo que Alane já deu metade da volta, me deixando totalmente para trás.

― Ei! ― Eu grito para ela. ― Onde é a corrida? ― Ela se vira para me olhar, seu cabelo flutuando na brisa, o sol demarcando seu rosto. É como uma foto muito bem planejada do Instagram que ganhou vida. Uma imagem perfeita que normalmente você precisa de trezentas tentativas para conseguir.

Eu desvio os olhos e aponto para um pequeno quiosque a alguns metros dali, com uma placa vermelha e amarela do lado.

― Vamos almoçar ― eu digo, repetindo as palavras de antes.

Ela sorri. Nós vamos até lá, mais devagar agora, até o quiosque onde cada uma de nós compra um cachorro-quente e batatas fritas. Eu compro uma coca, mas Alane escolhe o chá gelado deles, feito com hortelã fresco da pequena horta comunitária do parque.

― Chá de hortelã gelado é minha bebida preferida. Especialmente no verão ― ela diz enquanto olha para as árvores amareladas que estão atrás de mim, os primeiros sinais do outono surgindo por toda parte. ― Só me resta mais algumas semanas para aproveitá-lo.

Eu tento equilibrar meu prato e observo enquanto ela pega um pequeno prato de papel para seus condimentos. Ela divide cuidadosamente o ketchup, a mostarda e a maionese, colocando uma barreira de batata frita entre eles, a sobrancelha franzida de concentração.

― Qual é a dessa divisão? Você acha que a mostarda e o ketchup não se dão bem? ― Eu pergunto quando nos sentamos na grama verde reluzente do lado dela do lago.

― Eu gosto de pensar que... cada um merece seu próprio espaço ― ela diz, colocando os pés em baixo das pernas enquanto ergue uma batata.

Então, porque eu sou uma idiota, eu enfio uma das minhas batatas no montinho de ketchup no meu prato e passo direto para a maionese. Ela faz uma careta quando eu enfio a coisa toda na minha boca.

― Ok, mas você sentiu o gosto da batata frita?

Eu mastigo, minha testa franzida quando engulo. Um gosto perfeito de maiochup, mas nada de batata. Eu nem conseguiria distinguir se é mesmo uma batata.

Eu observo Alane cuidadadosamente tocar o ketchup com a pontinha de uma batata frita antes de dar uma mordida lenta.

― Às vezes... menos é mais.

Eu dou de ombros e me forço desviar os olhos na direção do cemitério. Eu me lembro que só estou sendo educada. Fazendo uma boa ação. Não é como se eu fosse vê-la outra vez.

Mas a culpa começa a borbulhar a cada segundo que passa, e a comida começa a perder o gosto.

Não foi por isso que vim até aqui. Eu vim me despedir da Yas, não para aprender etiquetas de condimentos com uma garota aleatória que eu conheci a centímetros do túmulo da minha namorada.

Ex-namorada, eu me corrijo pela milésima vez, ainda mais frustada.

O que eu estou fazendo?

Termino rapidamente o meu cachorro-quente e me levanto de supetão enquanto empurro minhas batatas na direção dela.

― Fique com o resto ― eu digo, evitando os olhos dela porque sei que se encontrá-los provavelmente vou ficar. ― Eu tenho que ir. Minha mãe precisa de ajuda com...

― Talvez eu te veja outra vez ― ela diz cortando a mentira que eu estava preste a inventar. Como se ela tivesse percebido, mas não se importasse.

Ela sorri com timidez.

― Talvez ― eu digo, embora tenha uma boa certeza de que ela não vai.

Então saio andando vacilante com minhas muletas.

Ainda estou pensando nos molhos divididos, em sua pequena pintinha no nariz e na grama verde perto do lago quando passo pela porta da frente de casa quase meia hora depois. Como se tivesse sido ensaiado, a cabeça da minha mãe surge na cozinha para me cumprimentar, a porta mal se fechando atrás de mim. Ela me avalia de blusa e calça social.

― Você finalmente foi até o cemitério? ― Ela pergunta, segurando com mais força a espátula que tem na mão. Eu deixei escapar, quando Pitel foi embora, que eu estava pensando em ir, e ela me pergunta sobre isso todo o dia desde então.

― É ― eu respondo, ríspida, mas não elaboro. Não foi exatamente um sucesso.

― Eu vou ter que sair mais tarde então já estou começando a fazer o jantar. Nós podemos conversar enquanto isso.

― Eu já comi ― digo enquanto sigo na direção do meu quarto. Eu preferiria quebrar o meu fêmur de novo a conversar sobre este dia.


Notas:

Agora meus capítulos oficialmente  acabaram.

Volto quando eu tiver com meu livro em mãos!

Todo Esse Tempo | FerlaneOnde histórias criam vida. Descubra agora