Capítulo 9

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Encaro meu reflexo no espelho do banheiro e enfio a barra da minha blusa branca dentro da minha calça, enquanto checo minha aparência mais uma vez.

Meu cabelo ainda está uma bagunça, mas está um pouco melhor que antes, agora eu o amarrei em um coque frouxo, e eu finalmente fiz uma skincare, e fiz minhas sobrancelhas. A cicatriz na minha testa desbotou e o vermelho agora é um cor-de-rosa bem menos chamativo.

Eu não diria que estou com uma boa aparência, mas pelo menos parece que estou me esforçando. Além disso, eu não quero que Yasmin me veja com essa cara de quem "nunca ouviu falar de algo chamado banho".

Sorrio para mim mesma, me lembrando do banquete para atletas no final do terceiro ano. Eu fui direto depois de um jogo de futebol no quintal com Pitel. Ela quase me matou por causa disso antes mesmo da gente entrar, então puxou um pente de sua bolsa para arrumar meu cabelo de um jeito que só ela conseguia.

É sempre assim: alguma lembrança me prende no lugar, me impede de seguir.

Mas Pitel estava certa na semana passada. Eu preciso ir vê-la. Eu não posso deixá-la pensar que eu a esqueci.

Suspirando, eu saio pela porta do banheiro e passo para o meu quarto. Minha determinação se torna incerteza quando minha mão hesita sobre o buquê de íris, as pétalas roxas vivas demais para um dia tão pesado.

Estou mesmo pronta para isso?

Penso nas semanas que se passaram desde que minha mãe decidiu arrancar minha porta do batente. Acho que em alguns aspectos me sinto mais forte. Estou realmente indo às minhas consultas. Fazendo leves maquiagens só para ficar em casa. Respondendo às mensagens de Pitel em vez de ignorá-las. Não pirando cada vez que vejo Yas em cadeiras vazias do outro lado da sala, lugares em que ela não poderia estar.

Mas hoje eu vou realmente vê-la. Vou ao cemitério ficar em frente a um lápide com o nome dela e tentar o máximo que posso entender o que ela iria querer que eu fizesse.

E agora que esse momento chegou, eu estou com muito medo. A mesma sensação de estômago contraindo quando a falsa Yas decidiu aparecer ao meu lado durante aquele jogo de vôlei duas semanas atrás. O que vai acontecer quando eu estiver perto dela?

Quer dizer... Eu poderia fazer isso amanhã.  Ou até mesmo semana que vem. Quando a minha mãe chegasse em casa, da rua, eu até poderia ligar para a Pitel para... adiar. Mas eu só estaria adiando.

― Não seja tão complicada, Fernanda ― eu murmuro e subo os degraus com minhas muletas, passando pela porta depois de calçar meu sapato preto, esperando que a caminhada super longa até o cemitério me dê tempo suficiente para me recompor.

Mas é claro que hoje parece ser só um quarteirão.

Rápido demais os portões de ferro fundido aparecem diante de mim, as grandes árvores fazendo sombra sobre o mar de túmulos, uma tristeza pesada nos galhos caídos. Diminuo ainda mais o passo enquanto sigo pelo caminho, observando cada lápide, adiando meu destino. Mães, pais, filhos, avós. Até mesmo crianças.

Merda, eu não queria estar aqui.

Alguns túmulos estão bem cuidados, com flores frescas em volta da lápide, lembrança de amigos e pessoas queridas.

Outros estão tomados pelo mato, não há mais ninguém para cuidar deles.

O túmulo de Yas está bem? Eu realmente espero que sim. Embora eu não me importe de parecer desleixada, não acho que aguentaria ver qualquer coisa dela abandonada assim.

Eu não gostaria que tivesse a aparência...como... a desse aqui.

Eu paro para observar uma pequena lápide com hera subindo pelos cantos e uma única palavra na inscrição: ADEUS. Sem nome, sem data, nada.

Todo Esse Tempo | FerlaneOnde histórias criam vida. Descubra agora