Capítulo 4

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― Fernanda.

Imagens flutuam diante de mim.
Um globo espelhado quebrado.
Uma muralha de chuva.

O cabelo loiro de Yas, embaraçado e ensanguentado.

Então a dor. Ela se irradia pela minha cabeça, por todo meu corpo. Eu agarro os lençóis até que ela recue o suficiente para que eu reconheça a voz chamando meu nome, mais clara agora.

― Fernanda?

Mãe.

Eu tento abrir os olhos, focar o rosto dela diante de mim. Eu vejo o nariz dela, a boca dela, mas sua imagem é clara demais. Embaçada. Distorcida. Como uma fotografia superexposta.

― Mãe ― digo, rouca, minha garganta áspera como lixa. Ela pega minha mão e aperta.

Estou cansada. Tão cansada.

A médica entra no meu campo de visão. Ela coloca uma luz brilhante nos meus olhos e me pergunta se eu consigo sentir ou não, então pede que eu siga seu dedo com o olhar.

Eu não consigo... Eu não sinto isso. Eu deveria sentir isso?

E é aí que o pânico volta. O cabelo embaraçado e ensanguentado. A maca. Yasmin.

― O que aconteceu... Yas... Ela está...?

Ela não diz nada, só se concentra em algo na sua mão. Uma prancheta. Uma caneta clicando. Uma nota em sua tabela.

― Fernanda, você se lembra de mim? Sou a dra. Isabelle. Você sofreu uma lesão grave... ― A voz dela é cortada por uma buzina, o barulho é tão alto que eu aperto os olhos, desesperada para fazê-lo parar.

Quando tento abri-los novamente, não há mais nada além de dor. Uma dor lancinante tentando me engolir por inteira. E eu permito.

Quando eu acordo de novo, não faço ideia de quanto tempo se passou, mas tudo está mais claro. Os azulejos brancos no teto, as paredes azuis do hospital, uma TV no canto, sua tela plana apagada.

Sinto uma dor na cabeça e lembro das palavras da dra. Isabelle. Então ergo a mão e sinto um curativo na minha testa, e o movimento me fez sentir o puxão inesperado do acesso no meu braço. Meus olhos deslizam para o conjunto de máquinas ao meu lado e, então, para a figura sentada ao pé da cama.

― Pitel ― eu consigo dizer, e a cabeça dela vira na minha direção. Os olhos dela estão vermelho e seu rosto está molhado.

Imediatamente, uma angústia me percorre por inteira.

Durante minha vida toda só vi Pitel chorar duas vezes. Uma vez quando tínhamos dez anos e ela quebrou o braço ao cair da bicicleta, e, quando o golden retriever da família dela, Otto, morreu três verões atrás.

Mas esta vez não parece como as outras.

Parece pior.

― Pitel?

Eu não consigo perguntar e ela não responde. Ela só volta seus olhos vermelhos para a janela e eu vejo que lágrimas estão caindo mais rápido agora. Algo está errado, Pitel chorando? A Pitel que vive sorrindo?

― Pitel ― eu digo de novo, tentando desesperadamente erguer um corpo fraco demais para me obedecer até que meus braços cedem e eu caio de volta na cama.

― Pitel?

Mas ela ainda não responde.

O rosto sorridente de Yas dança na frente dos meus olhos e eu me esforço para respirar, horror e culpa se enrolando com força em volta dos meus pulmões enquanto um raio de dor estala na minha cabeça.

Ela não pode estar...

Revejo tudo. Começando por Berkeley, a briga, e terminando com os olhos dela arregalados e em pânico sob o brilho dos faróis.

E quando o caminhão bate, eu sinto meu mundo inteiro se partir, a dor na minha cabeça crescendo cada vez mais, até que meu corpo inteiro explode em um milhão de pedaços, pedaços que nunca vão se juntar de novo.

Todo Esse Tempo | FerlaneOnde histórias criam vida. Descubra agora