Capítulo 16

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Alguns dias depois, estou deitada de costas na grama observando a luz do sol atravessar o espaço entre os galhos das árvores, os raios cintilantes dançando diante dos meus olhos. Alane e eu nos encontramos ao meio-dia para alimentar os patos, como normalmente fazemos, o clima quente do fim de setembro nos conduzindo à cerejeira, suas pétalas desbotando para um tom quase branco.

― No que você está pensando? ― Alane pergunta ao meu lado.

― Só... ― eu respiro fundo. ― Na Pitel.

Conversar com a minha mãe me ajudou a entender muita coisa, mas não consertou nada com Pitel. E eu ainda não consigo saber como conversar com ela sobre isso.

Eu me viro para olhar para ela, a luz do sol lançando um brilho quente sobre seu rosto, seus olhos castanho escuro vívidos, a claridade os deixa mais claro abrindo espaço para uma cor mais suave e clara em volta da sua pupila. Ela estica a mão na direção do meu rosto e eu me pego imaginando como seria se ela me tocasse.

Em vez disso, ela pega um dente-de-leão que está entre nós e o cheira. A culpa surge de novo, mas sem muita força, como se estivesse exausta demais para continuar lutando. Talvez eu também esteja. Mas a expressão de dor da Pitel não some da minha mente.

― Nós brigamos no último fim de semana. Eu... eu não tenho sido uma amiga muito boa para ela desde que a Yas morreu. Eu não estava sendo honesta com ela... ― eu emudeço e solto um longo suspiro. ― Ou comigo mesma.

― É difícil ser a pessoa que errou, não? ― Ela diz, seu rosto ficando triste.

Eu me apoio em um braço. É muito difícil para Alane se abrir. Ela nota minha reação e me lança um sorriso tênue.

― Desculpa. Eu não quis dizer isso. É engraçado. Eu sempre fui quieta. Supertímida. Ao ponto de Alice às vezes ter que falar por mim. ― Ela devia o olhar na direção do cemitério. ― Ela sempre sabia o que eu queria dizer. Talvez porque fôssemos gêmeas.

Ela sempre evita falar da irmã. Nada de histórias tristes. Isso é importante para ela.

― Nós éramos idênticas. Em quase tudo ― Alane diz e a nuvem escura atrás de seus olhos toma conta dela. Do vinco de sua testa até a forma cansada com seus ombros se curvam, isso a consume. É como se uma pessoa totalmente diferente estivesse sentada na minha frente. ― Quando eu a perdi, eu perdi minha voz. Mas agora, com você... ― ela silencia, olhando de volta para mim, seus olhos clareando só um pouquinho. ― Eu sinto vontade de falar de novo.

― Fale tudo que você quiser ― eu digo. ― Eu estou aqui para isso. ― Há uma magia nesse momento em que ela está me deixando entrar e eu não quero quebrar o encanto, então embora eu queira pegar na mão dela para consolá-la, eu não o faço.

Ela gira o dente-de-leão entre os dedos.

― Uma vida sem a Alice ― ela diz com uma voz suave. ― Parece mais impossível quanto mais o tempo passa. Parece errado.

Espero um pouco, mas ela não diz mais nada.

― Eu entendo ― digo, sentando-me. E é verdade. Tudo na vida depois do acidente parece errado. Exceto isso. ― Mas talvez nós duas possamos tentar achar algo que torne tudo um pouco menos errado. Juntas.

― Como? ― Ela pergunta.

As palavras flutuam na ponta da minha língua, mas não sei por onde começar. Então eu penso como nos conhecemos, aquele dia no cemitério, e uma ideia me vem à mente.

― Histórias? Você disse que nós duas poderíamos ser contadoras de história, certo?

Ela assente com uma expressão pensativa.

Todo Esse Tempo | FerlaneOnde histórias criam vida. Descubra agora