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Oi amores... Hoje é um dia nublado, uma noite sem estrelas, um inferno a céu aberto. Não suportei mais a humilhação cotidiana e pedi demissão. Vocês sabem que um clt que se demite é conhecido como burro, né? Ficarei sem meus direitos... passarei fome se não encontrar outro trabalho, mas ao menos sinto meu corpo mais leve.

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João está morto!

Seu sangue toma conta de tudo. A cor vermelha tinge o cinza de prontidão.

Me arrasto em sua direção, mas sou impedida pelo assassino armado. Sua mão enlaça meu cabelo, arrancando os fios da raiz. Ele me suspende no ar, me equiparando as correntes presas ao teto.

— Uma pena, era um ótimo funcionário! — Diz minha avó, chutando o corpo de João como se testasse a mortalidade.

Meu avô encara-me nos olhos, e diz:

— Tanto pecado em você...

Ele solta meus cabelos, me derrubando no chão de joelhos. Suas mãos alcançam meus pulsos, o unindo num só. Os segurando, ele me equipara novamente à altura das correntes, me prendendo nela como uma caça recém abatida. Fico despendurada, percebendo que existem pecados piores que se deitar com um homem.

Meu avô some da minha visão, restando apenas a mulher que me criou. Ela me olha com tanto desdém. Como seu eu fosse um "nada". Um nada incompleto.

De volta está meu avô, empunhando uma faca. Me desespero imaginando o meu futuro. Cortes profundos. Uma cova rasa.

Grito desesperadamente por socorro, torcendo para que alguém nas redondezas escute. Os gritos serviram apenas para que meu avô me punisse com um soco. Um único soco capaz de me fazer sentir meus ossos faciais racharem. A dor insalubre só me dá mais motivação para gritar. O que vem após isso?

Deus, me socorra!

Meu avô não utiliza da faca para me matar. Ele rasga o saco de estopa que intitulo de roupa. Fico completamente nua, já que não tenho roupas intimas. Os olhares que recebo são de completo nojo. Como se eu fosse um demônio.

Talvez eu seja...

Talvez eu me pareça com um...

— Você é tão nojenta... — Grita minha avó. — Sua pele fede a pecado!

— Assim como a sua mãe — Complementa meu avô, abrindo a fivela do cinto.

Ele retira o cinto e encara maravilhado a enorme fivela dourada em formato de estrela, com suas pontas afiadas. A imagem de ferradura reluz em seus olhos. Ele me vira de costas e se afasta alguns passos de distância.

A primeira lapada que sinto parece rasgar a pele das minhas costas. Dou ao universo o grito mais alto da minha vida. O grito mais alto a ser escutado. A fivela em seu primeiro contato, faz cair sangue abaixo de meus pés. Choro copiosamente, mas nada silenciosamente. Isso parece os irritar, já que ambos gritam para que eu cale a boca.

Mas não me calo. Impossível existir silencio diante de tal dor.

Mais uma vez a fivela é lançada contra mim. E inúmeras vezes mais, sinto o ferro rasgar minha pele. Apanho pelo o que parece ser horas, até que o meu silencio se torna total. Não tenho forças para falar. Mal consigo respirar.

O silêncio o faz desistir de me esfolar viva.

Sinto as mãos macias de minha avó. Um olhar para cima confirma que é ela. Ele me vira de volta para frente, me dando a visão de meu avô pondo de volta seu cinto ao lugar de origem. Um cinto ensanguentado.

Sou desamarrada das correntes e recebo como despedida dele seu único dizer:

— Quase não resta pecado em ti.

Eles me abandonam, noto se distanciarem numa conversa amena. Fico de pé, sentindo-me fraca pela dor absurda.  Caminho arrastando os pés, não tendo forças para me mover bruscamente. Em alguns passos estou próxima de João, seu olhar vidrado me assusta. Quantos mais acabaram como nós? Me pergunto.

Caminho em passos lentos. A distância parece ser mais uma etapa de sofrimento. A cada mínimo passo, sinto a pele se rasgar mais.

Os minutos se passam e a distância até a minha atual casa, se torna uma dolorosa lembrança. A porta da casa, meus companheiros me encaram. Alguns com pena. Outros, me fazem cobrir os seios e a minha intimidade. Das minhas colegas de quarto, apenas Fernanda está presente. Ela corre em minha direção, pressentindo o que nem eu mesma pressenti. 

A minha queda.

Caio na escuridão, ouvindo apenas os lamentos de Fernanda e o questionamento gritante em sua voz de o que aconteceu. Grito para o breu o nome daquele que tentou me proteger do meu próprio sangue.

João!

A Ninfeta do Interior - UM RECOMEÇO - 2Onde histórias criam vida. Descubra agora