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OI AMORE... TEM PASTEL?

Meus amados, não sei se já lhes contei, mas consegui novamente me embrenhar na escravidão moderna instaurada pelo sistema capitalista. Ela é casualmente chamada de CLT.


Foram necessários sete dias e sete noites para que eu conseguisse minimamente me mover. Todo esse tempo foi trancafiada na escuridão de meu quarto. Nosso quarto. Meu e das mulheres e seus filhos. Hoje é o oitavo dia, o primeiro sem a polícia rondando a fazenda. Fazendo a sua "minuciosa investigação". A conclusão dela foi: encontraram o suspeito morto na fazenda vizinha, após uma tentativa frustrada de roubo. Meus avos confirmaram a semelhança com o pobre homem morto com um tiro no peito. Digo pobre, pois não duvido dele ser mais um crime de meus avos. Um falso criminoso.

Os empregados não devem ter sido interrogados. E se foram, não me citaram, já que Jorge procura por mim, e não veio me ver nessa escuridão.

Ele perguntou por mim...

Deve ter uma queda especial por putas. Bom, não sou mais uma puta. Nunca mais me deixarei cair por pecados.

Eu sinceramente prefiro não pensar nele. Ou nas coisas que fazia comigo. Como me fazia sentir.

Sem polícia na região, e minhas feridas cicatrizando... Na verdade, estão abertas, mal consigo andar. Mas para minha vó, é hora de voltar ao posto, e é hora de um novo momento de confissão.

Novas feridas serão abertas em mim, pela noite.

Caminho para luz. Oito dias sem ela. Me fez uma falta. Não sabia que um dia sentiria tanta falta do sol escaldante.

Fora da casa de barro e lona, vejo a figura masculina trajado de uniforme e armado com um olhar odioso voltado para mim.

Jorge. E seu olhar.

Nunca recebi este olhar.

Calculo quanto esforço teria que fazer para voltar para dentro da casa. Puxar a porta pesada rasgaria o pouco dos cortes que cicatrizaram. Mas de qualquer forma, não teria tempo de fugir. Jorge caminha em passos grandes até me alcançar.

Seu porte grande esconde o sol de mim, e sua voz faz minha espinha gelar, quando diz:

— Mais uma vez tentando fugir?

Não respondo. Nem mesmo sei o que responder. Não imaginei que ele se sentiria abandonado. Se é que este é o sentimento que causei.

— A todo custo tenta se esconder... os funcionários negaram que estava aqui — Ouço o rancor em sua voz.

O sentimento é de abandono. Disso agora eu tenho certeza.

— Os funcionários esconderam bem mais do que isso — Respondo, torcendo para que ele esqueça o abandono e foque em dar uma justiça verdadeira a João.

Ele deixa de me encarar e fala num tom de voz um pouco mais baixo:

— Eu sei...

— Você sabe... — Completo, e seus olhos voltam para mim.

Eles não estão odiosos, estão analíticos. Reparam em cada fio de cabelos, que imagino estar fora do lugar. Não temos espelho, então não sei como está minha aparência, e mesmo que tivesse, não temos eletricidade para iluminar o lugar. Mas imagino que eu esteja péssima. Tive febre nos sete dias enclausuradas. Vomitava tudo o que comia, incluindo agua. E minhas belas vestes feitas de estopa... não é algo que todo mundo ache normal usar.

— Está bem pior do que no dia que me abandonou depois de fugir da igreja. Depois de fugir de mim. — Diz ele, confirmando minha péssima aparência e seu novo trauma causado por mim.

Ele realmente me esperaria?

Ficaria com a mulher que dormiu com o próprio pai. Que transou com seu filho. Que fez a dois com ele e seu filho. Fora as outras várias coisas que ele não sabe, como por exemplo foder com o padre depois de uma, não sei, declaração dele? Aquilo foi uma espécie "Te quero"...

Jorge me queria?

Não pense nisso. Não vai adiantar agora.

— Estou me tratando...

— Está doente? — Me interrompe. — Precisa de algo?

— É uma doença da alma. — Digo, ignorando os rasgos em minha pele. — Não pecarei mais...

— Nós nascemos pecadores... e você não sabia que ele era seu... — Ele se engasga em suas palavras, não suportando o meu ato. — Ele sabia. Ele merece o inferno. Não você.

Nem mesmo ele acredita em suas palavras. Respiro fundo, sentindo minhas costas arderem como se cada ferida levasse um soco de Jorge.

— Preciso ir — Tento me encaminhar para a casa principal, mas sua mão em meu braço me paralisa na primeira tentativa de toque.

Ele não me olhava quando disse:

— Venha comigo. Fique comigo...

Eu busco seu olhar, mas não o encontro. Como posso acreditar que me quer, se nem ao menos tem a capacidade de me olhar nos olhos. Lentamente me desvinculo de seu toque, e talvez mais aquela "fuga" dele faça seus olhos virem de encontro aos meus.

— Fique comigo! — Jorge repete.

Ele realmente me quer? Sinto minha respiração desregulada. E ela piora quando sua mão desavisada toca minhas costas numa tentativa de abraço. Grito diante de seu toque. O toque áspero da estopa fez o toque de Jorge se tornar uma lixa. Fez sangue minar.

Seus olhos arregalam-se, e suas mão imediatamente me soltam como se fossem feitas de fogo. Acreditando me matar num toque. Ele gagueja um princípio de pergunta, mas ao encarar suas próprias mãos, a resposta toca como um alarme em sua cabeça.

Seus olhos criam um tom escuro. Puro ódio. Ele mataria alguém com este olhar.

— Quem fez isto com você?

— Ninguém me fez nada! — Respondo de pronto. A surra seria bem pior caso eu diga que meu avô me açoitou nua num deposito e matou seu funcionário. — Adeus, Jorge.

Me prontifico a caminhar o mais rápido possível. Mesmo sentindo os rasgos aumentar. Mesmo sentindo o sangue escorrer por minha pele.

— Fique comigo, Larissa! — Ouço sua voz distante. — Não se case com ele!

Casar? Não me preocupo em pensar o que ele quis dizer. Ou em pergunta-lo. Uma funcionaria desta fazenda nunca deve se atrasar. As consequências seriam drásticas.

ESTOU CANSADA... TALVEZ EU PULE DA PONTE. PENA QUE OS COBRADORES NÃO ME DEIXARIAM MORRER EM PAZ.

A Ninfeta do Interior - UM RECOMEÇO - 2Onde histórias criam vida. Descubra agora