PELA JANELA

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   Consegui alcançá-los com o meu carro, mas assim que os vi parando em um restaurante no começo de sua rua, estacionei meu carro um pouco mais longe. Fui andando até a janela do restaurante. O local tinha um grande arbusto, e foi lá que fiquei, agachada e tentando ser o mais discreta possível. Apesar do vidro grosso, ainda conseguia ouvir suas vozes abafadas pelo barulho do lugar.

— E cadê sua esposa, James? — Ela questionou.

— Terminei com ela e ela foi morar com a mãe. Agora somos só eu e você.

   Enquanto escutava confusa, senti uma mão pesada e quente sobre meu ombro. Meu coração disparou e, por um instante, fiquei paralisada pelo medo. Ao olhar para trás, vi que era apenas Daniel.

— Que susto! — Sussurrei, tentando manter a calma.

— É sério que você vai preferir ficar aqui? A casa dele tá vazia, podíamos estar lá observando.

— E de onde surgiu essa coragem toda?

— Para de besteira, o que importa é que eu tô aqui.

   Daniel tinha essa habilidade de transformar momentos tensos em situações um pouco mais leves, e sua presença ali era reconfortante. Fizemos como ele disse e fomos para a casa de James. A porta estava aberta, rangendo levemente ao ser empurrada, Entramos, olhando para os lados e certificando-nos de que ninguém nos viu.

— Dessa vez vamos olhar os fundos. — Daniel sugeriu.

— Lá tem cachorros, mas imagino que estejam presos.

   O cheiro era horrível, muita sujeira acumulada. Enquanto eu continuei olhando ao redor da casa, Daniel foi investigar perto dos cachorros. O lugar parecia ter sido abandonado, com musgo cobrindo partes do chão e marcas de sangue antigas.

   Olhei para trás e vi Daniel, pálido e tremendo, olhando fixamente para o chão. Os cachorros latiam descontroladamente. Fui até ele e, ao me aproximar, vi o que ele estava olhando. Era um dedo humano no chão, roxo, com sinais de que estava ali há algum tempo. Ao lado, havia o anel que eu havia dado a Estela na última vez que nos vimos.

   Meu estômago embrulhou, o medo tomou conta de mim. Mas não era só medo, era também raiva e ódio. Sempre controlei muito bem minhas emoções, mas naquele momento, senti como se fosse explodir.

   Olhei para Daniel, que estava com os olhos verdes arregalados, que se destacavam ainda mais contra seu cabelo castanho e pele morena. Ficamos parados por um longo tempo.

— Vamos olhar o resto da casa. — Daniel finalmente quebrou o silêncio.

— O quarto de Estela! Não deu tempo de ver direito da outra vez.

   Entramos no quarto. A foto que vimos da última vez agora estava na parede, em uma moldura fofa, destacando-se do ambiente cinzento do quarto.

   Daniel entrou logo depois de mim e empurrou a porta para fechá-la. Quando terminamos de olhar, percebemos que a porta não estava abrindo mais.

— Droga! O que você fez nessa porta, Daniel? — Perguntei.

— Nada, eu só fechei. Ela deve estar com problema.

   Nossos pensamentos foram interrompidos pelo som da caminhonete barulhenta de James, que roncou do lado de fora da casa, Daniel começou a suar frio e a bater com força na porta, em pânico.

— Para com isso! Ele vai nos escutar!

— A gente tem que sair daqui! — Ele estava ofegante.

— Para de bater nisso! Agora! Eu vou pensar em algo.

   Ouvimos a porta da frente abrir, e nosso desespero aumentou. Arranquei uma das gavetas da cabeceira do quarto e joguei contra a janela de vidro, que também estava trancada. O vidro explodiu com um estrondo, e Daniel foi o primeiro a sair, saltando pela abertura.

   Eu estava tentando sair com cuidado, evitando os cacos de vidro restantes na janela. Antes que pudesse sair dali por completo, James e a Celeste abriram a porta do quarto. Eles nos olharam, já na área de fora. Não sei se conseguiram nos ver direito, pois estava escuro e a rua não era iluminada, mas correram em nossa direção.

   Eu e Daniel fomos mais rápidos e conseguimos entrar no carro. Dei partida rapidamente e, enquanto o carro andava, Daniel começou a falar.

— Droga! Droga! Droga! Ele nos viu! — Ele disse, fazendo uma pausa a cada palavra.

— Pois é, viu.

— Que merda foi aquela? Você quebrou a janela do cara! Ele vai chamar a polícia.

— Você só pode ser idiota, né, Daniel? O cara matou alguém e tem restos da vítima na casa dele. A última coisa que ele pensa em fazer é chamar a polícia.

— Pior ainda! Ele vai acabar com a gente e nós vamos virar camisa da saudade, assim como sua amiga idiota.

   Meu sangue subiu ao escutar aquilo. Pisei no freio na hora. Daniel, que não esperava foi jogado para frente, mas o cinto de segurança o segurou.

— O que foi isso? — Ele gritou

— Desce do carro.

— Você só pode tá louca.

   Eu não estava louca, ele só não podia sair por aí falando assim de pessoas que nem sequer conhecia.

— Você não conheceu Estela! Ela não era idiota. Idiota é você.

— Carla, você que me colocou nisso, e eu não pretendo morrer para resolver o mistério de sua amiguinha.

— Você topou vir, não te obriguei a nada, além disso, você me chamou pra virmos na casa dele.

— Não interessa, se o cara vier atrás de mim, a culpa é sua. — Ele disse, aumentando sua voz.

   Daniel sempre foi muito carinhoso comigo e com todos, nunca levantou a voz para mim, e eu não admito isso. Então levantei também.

— Sai do meu carro agora! Babaca.

Entre SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora