Entre os muitos prazeres da vida, ser acolhido pela luz do sol ao despertar poderia ser classificado em primeiro lugar. Pelo menos para Marceline, seu dia prometia ser proveitoso quando o cheiro de flores recém regadas no seu quintal invadia toda a casa sem pedir licença.A chegada da primavera revigorava a alma da pequenina e pintava um toque de alegria na Vila dos Lírios, onde nasceu e cresceu. Ela não trocaria o vilarejo colorido e aconchegante por nenhum outro lugar no mundo.
Com grande entusiasmo, a jovem levantou-se devagar, sentindo a frescura do piso de madeira sob os pés descalços. Foi então que um cheiro mais forte tomou conta de seu olfato: maçãs recém-assadas com canela. Era sábado de manhã, aniversário de seu irmão mais velho — a quem ela amava mais do que a si mesma. Sua mãe preparava a tradicional torta favorita da família para celebrar a vida de Paxton; eles nunca deixavam uma data passar em branco, e preparar banquetes era um dom concedido pelo criador aos Goth.
Ansiando pelo dia que a esperava, correu para seu lugar predileto na casa, onde seus pais estavam lado a lado em completo silêncio. Havia algo peculiar na genética de sua família; o mau humor matinal vinha no sangue de todos, exceto no dela.
— Um belo dia, papai e mamãe! — abriu um enorme sorriso, pronta para tagarelar — Estou me sentindo radiante hoje. Nosso café da manhã está com um cheiro maravilhoso! Vocês sabem como eu e o Pax am...
Observou ao redor.
— Onde está o dito cujo?
Robert largou o jornal que lia e sorriu ao soltar um arzinho pelo nariz. A doçura de uma caçula podia derreter até o mais ranzinza dos pais.
— Ele ainda não levantou, querida.
— O que não é surpresa, filha. Faça o favor de chamá-lo; ninguém vai querer comer a torta depois que esfriar demais — resmungou Marilyn, seus olhos esmeraldas profundos expressando a sua impaciência.
— Dêem um desconto, hoje é o dia dele!
— Ele age como se todos os dias fossem dele — ironizou o pai.
Ter dialógos estranhos com seus parentes era algo comum. O trio ironia, grosseria e sarcasmo sempre habitaram em sua casa; chegava a ser cômico. Marceline respirou fundo e saltitou até o corredor dos quartos, pronta para invadir o espaço do irmão com prazer.
— Ei! Vamos, acorde! Acorde! — sacudiu o dorminhoco após abrir a porta do quarto, ignorando a placa de 'Proibido Garotas' — Depressa, levante!
O ambiente de tema naval era o mesmo de anos atrás; as paredes em azul marinho com mapas antigos enquadrados, os móveis amadeirados quase envelhecidos, alguns objetos náuticos como âncoras e timões serviam de decoração e um grande baú de madeira enfeitava o chão.
— Será que eu nunca vou ter paz? — gritou, afundando o travesseiro no rosto.
— Hoje é o seu dia, meu irmão. Não sente isso? — referiu-se ao cheiro espalhado pelo ambiente.
— Que dia adorável, minha irmã! — debochou — Me deixa dormir só mais cinco minutos e eu já vou.
— Seu grosso! Cinco minutos contados. — mostrou a língua e saiu.
Vinte minutos depois, todos estavam sentados à mesa, unindo as mãos em reverência enquanto fechavam os olhos para agradecer. Paxton era conhecido por sua natureza ranzinza, mas encontrava conforto nestes rituais familiares, mesmo que às vezes implicasse em resmungos, piadas sarcásticas e demonstrações de tédio, ignorando a oração do começo ao fim.
Marilyn cortou as primeiras fatias da torta para servir em seus preciosos pratos de sobremesa adornados com desenhos florais. Saborear a maçã crocante, caramelizada naquela manhã, era tão prazeroso quanto compartilhar as histórias de sempre em família, sem discussões ou comentários desagradáveis de seus pais.
— Meu filho, espero que com os seus dezessete anos a maturidade finalmente venha. — o pai comentou em meio à um gole de café.
— Ah, meu marido, que Deus te ouça! — a mãe ergueu as mãos para cima como se esperasse um milagre cair do céu.
— Maturidade eu até tenho um pouco, paciência e saco pra chatice de velho é que não. — retrucou o aniversariante.
Marceline riu e bebeu um pouco de leite gelado quando ouviu três batidas familiares na porta, fazendo-a engasgar e interrompendo o momento.
Sem esperar ser atendido, Maxon invadiu a casa com um sorriso largo, cabelo bagunçado e olhos brilhando de entusiasmo. Ele sempre foi aquele que fazia o coração da menina acelerar com interações mínimas e também era amigo de Paxton, tendo total liberdade para ir e vir da casa deles. Ele cumprimentou calorosamente os donos da casa e o amigo antes de se virar para ela, que tossia, seus olhos confusos encontrando os envergonhados.
— Está doente? — perguntou, preocupado.
A mais nova movimentou a cabeça em sinal negativo e sentiu um calor subindo pelo rosto.
Há alguns anos, durante o ensino fundamental, Marceline começou a receber bilhetinhos românticos que eram mensalmente deixados em seu armário. Ela nunca soube quem era, somente quando no último dia de aula decidiu ficar até mais tarde e se esgueirar pelo corredor dos armários, escondendo-se habilmente atrás das grossas colunas que dividiam os espaços. O corredor estava silencioso, apenas o som distante de alguns passos ecoando ocasionalmente. Ela respirou fundo, então, de repente, viu uma figura se aproximando furtivamente. Era Maxon, o garoto problema que sempre sentava no fundo da sala de aula com o seu irmão.
Marceline prendeu a respiração observando cuidadosamente o pirralho parar de frente ao armário 702; o seu. Ele empurrou um bilhete lá dentro através de uma abertura retangular, depois olhou em volta com cautela, como se estivesse verificando se alguém o estava observando. Seus olhos passaram pelas colunas onde estava escondida, mas ele não parecia tê-la visto.
A pequena não conseguia acreditar no que viu. Ela poderia sair de seu esconderijo e confrontá-lo, ou poderia deixá-lo sair sem revelar sua presença e continuar o jogo misterioso dos bilhetes, mas também nutria uma paixão secreta por Maxon e não tinha um pingo de coragem para enfrentar a situação.
Com o coração ainda batendo forte, apenas esperou alguns instantes após o mais velho ir embora. Ela cautelosamente saiu de trás da coluna e caminhou em direção ao seu armário. Lá estava mais um bilhete pronto para ser lido, dessa vez selado com um laço de fita de cetim vermelho — tão ardente quanto a coloração repentina em suas bochechas. Ela não conseguiu conter um sorriso enquanto relia o recado várias vezes, encostando-se no armário e deslizando lentamente como em uma cena de filme adolescente.
É o Maxon. É o Maxon. É o Maxon.
Naquele momento não se passou uma linha de raciocínio coerente em sua cabeça. Marceline tinha certeza de que usaria aquele acessório para todo sempre. Afinal, era o Maxon.
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𝐔𝐌 𝐋𝐀𝐂̧𝐎 𝐃𝐄 𝐅𝐈𝐓𝐀
Teen FictionDurante sete anos, Maxon Avery enviou bilhetes mensais para Marceline Goth, escondidos em seu armário. Marceline só descobriu a identidade do remetente no último recado, que chegou com um laço de cetim vermelho. Agora, no auge da adolescência, os se...