𝟎𝟎𝟏

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Como sempre, não tinha dormido aquela noite, mais uma noite na qual passei aos prantos, meus olhos estavam inchados e ardiam. Eu odeio disforia mais do que tudo nesse mundo!

Já eram incontáveis as vezes já havia chorado naquela semana por conta deste mesmo motivo, tudo que ansiava toda vez que chorava era me sentir bem com meu corpo, mas sempre que me olhava no espelho tudo que sentia era desgosto de mim mesmo. Eram nas madrugadas que eu conseguia chorar de verdade, durante o dia eu era só A Jooyeon, a filha que meus pais tanto esperavam e nem mesmo na escola eu podia ser quem eu era de verdade, minha vida era um mero teatro.

Olhei no relógio sobre o criado mudo, 7:30 da manhã, às 7:31, meu pai vai gritar lá de baixo para que eu acordasse, às 7:50 minha mãe vai bater na porta de meu quarto para me apressar para a escola. Tinha tudo decorado, era como se repetisse todo dia o mesmo dia, fechei os olhos e cochilei por 20 minutos e acordei novamente com minha mãe batendo na porta do quarto.

- Já acordei, mãe, não precisa derrubar a porta do meu quarto. - Duvido que ela tenha escutado o que disse, mas isso é o de menos. Fui ao banheiro lavar o rosto e tomar um banho para disfarçar o cansaço da noite não dormida, encarei meu rosto no espelho e a vontade de chorar surgiu novamente, uma sensação de nó na garganta. É como se as emoções estivessem acumuladas, prontas para explodir. Eu odiava olhar no espelho, meu rosto não parecia meu, nada se parecia comigo.

Sai do banho e voltei a me olhar no espelho, meus pais me forçavam a ter cabelos longos e naturalmente pretos, isso em irritava tanto, eu odiava ter cabelos longos, odiava parecer uma garota e ter que agir como uma. Olhei para uma tesoura que tinha deixado depois da falha tentativa de cortar meus cabelos e acabar desistindo temendo que meus pais fossem me bater novamente; ao lado da tesoura estava uma lâmina ensanguentada, tinha que me livrar daquilo o mais rápido possível antes que minha mãe venha revistar meu quarto. Peguei a lâmina e a enrolei em um papel, poderia descartar em algum lixo da escola, ninguém iria olhar o lixo de lá.

Me desloquei até meu armário e era ridículo como eu não podia nem sequer escolher minhas próprias roupas. Peguei o cabide com o uniforme da escola, quartas-feiras eram meus dias preferidos que era quando eu poderia usar calças e não saias que mostravam exageradamente minhas pernas.

Vesti o uniforme e me olhei no espelho novamente, era sempre uma sensação estranha, como se tivesse algo fora do lugar, apenas respirei fundo, amarrei meus cabelos em um rabo de cavalo, conferi os livros na mochila e a coloquei nas costas, pus o objeto que ia descartar no bolso do casaco e assim abri a porta do quarto. Sabia que estava com muitas olheiras por conta das noites mal dormidas e não dormidas, desci as escadas e torci para que meus pais não fizessem nenhuma pergunta e continuassem em total silêncio assim como estavam, mas todas minhas preces foram em vão, pois minha mãe abriu a boca logo que me sentei na mesa.

- Está dormindo direito, filha? Você está com tantas olheiras...- Eu conseguia ver a falsidade em seus olhos, ela não liga, disse aquilo apenas para fingir que se importava. Meu pai lia o jornal do dia enquanto fumava, me sentei à mesa colocando um pouco de arroz e alguns ovos em minha tigela, não estava com tanta fome, chorar demais me tirava totalmente a fome.

Comi meu café da manhã razoavelmente rápido, só queria sair dali o mais rápido possível. Saí de casa sem me despedi de meus pais, não achei que isso era necessário, eles não iriam ligar, caminhei até a escola escutando música em meus fones. Alguns caras idiotas passaram gritando coisas ridículas como "gostosa", para piorar tudo ainda levaram a mão a parte íntima, aumentei o volume da música os ignorando.

Outro garoto passou ao meu lado, mas desta vez não disse nada, ele parecia mais velho e usava o uniforme da mesma escola em que eu estudava, ele parou um pouco a frente e olhou para trás vindo em minha direção. Sua expressão dizia que ele estava confuso, o garoto começou a falar e então tirei um lado dos fones para ouvi-lo.

Meu querido bateristaOnde histórias criam vida. Descubra agora