Com o passar das semanas, a sensação de desconforto e desamparo crescia dentro de mim. A disforia, que já era um peso em minha vida, se intensificava. Afinal, gravidez, maternidade… tudo isso é constantemente associado ao feminino, às mulheres. Cada vez que alguém me chamava por pronomes femininos simplesmente por estar grávido, era como levar um golpe direto na minha identidade. Podem achar que estou exagerando, mas aquilo machucava. Era como se o fato de eu ser biologicamente capaz de gerar uma criança anulasse completamente quem eu sou. Minha identidade, minha luta, tudo parecia ser apagado diante daquela situação.
Eu tentei lidar com esses sentimentos da melhor maneira que pude, mas havia momentos em que parecia impossível. A ideia de amamentar, por exemplo, era um limite que eu não estava disposto a ultrapassar. Conversei com Gunil e com a mãe dele, deixando claro minha decisão: eu não iria amamentar. Não era por falta de amor ou responsabilidade com a criança, mas porque aquele ato em si seria um gatilho insuportável para minha disforia.
A mãe de Gunil reagiu de forma ambígua. Por um lado, parecia irritada, talvez desapontada, mas, por outro, acabou aceitando minha decisão. Não porque realmente concordava, mas porque sabia que não tinha escolha. Gunil, por outro lado, foi como sempre: compreensivo e solidário. Ele apenas me olhou com aquele jeito calmo e disse:
— É o seu corpo, Joo. Você decide o que é melhor para você. Eu só quero que você esteja bem.
Essas palavras me deram um pouco de alívio, mas não suficiente para afastar completamente o peso que eu carregava.
Não escolhi abortar porque, apesar de todos os meus conflitos internos, ainda via o aborto como algo errado. Talvez por crenças que ainda carrego, talvez por medo do julgamento, mas, acima de tudo, porque sentia que essa criança não tinha culpa. Ela não pediu para estar aqui. E, de alguma forma, eu sentia que poderia lidar com isso, mesmo que, no fundo, não tivesse certeza se realmente conseguiria.
Então, lá estava eu em mais um exame médico. O ambiente era frio e impessoal, e eu me sentia terrivelmente exposto. A cada instrução dada por aquele médico que eu mal conhecia, meu desconforto só aumentava. Eles disseram que eu precisava fazer exercícios para fortalecer a musculatura pélvica, mas, honestamente, eu mal conseguia focar nas palavras. Tudo o que eu queria era sair dali, voltar para casa, me esconder de tudo.
Nos momentos mais sombrios, a vontade de me automutilar voltou com força total. Eu tentava resistir, mas a disforia era uma batalha constante e cruel, drenando qualquer energia que eu tivesse para lutar contra esses impulsos. Um dia, sem conseguir aguentar, eu me rendi. A dor física parecia menor do que a emocional, e, naquele momento, parecia ser a única forma de aliviar o peso que estava me esmagando.
Gunil percebeu as marcas. Ele não me julgou, mas seu olhar preocupado e triste me atingiu mais do que qualquer palavra. Ele tentou me ajudar, tentou me apoiar, mas eu sabia que, no final, essa era uma luta que eu teria que enfrentar por conta própria.
A gravidez era um misto de contradições para mim: ao mesmo tempo em que eu sentia a vida crescendo dentro de mim e um instinto protetor começava a surgir, também sentia que estava perdendo partes de mim mesmo no processo. Não era a criança que me fazia mal, mas tudo ao redor disso — a forma como o mundo me via, como eu era tratado, como minha identidade era apagada.
Naquele momento, tudo o que eu queria era encontrar alguma paz, alguma estabilidade, para que pudesse dar a essa criança o amor e a segurança que ela merecia, mesmo que isso custasse cada pedaço de mim.
Era tarde da noite, e mais uma vez, eu me encontrava sozinho em meio ao turbilhão dos meus pensamentos. As lágrimas escorriam sem controle, misturando-se à dor que eu tentava sufocar. O peso na minha mente era insuportável, e antes que eu pudesse me conter, um novo corte apareceu na minha pele. Era como se fosse a única maneira de lidar com tudo o que eu sentia, mesmo que eu soubesse, no fundo, que aquilo não resolvia nada.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Meu querido baterista
Roman d'amourJooyeon tinha uma vida um tanto conturbada e costumava dizer que cartas de amor ou até mesmo paixão era coisa de gente boba, era o que ele dizia para seus amigos, antes de encontrar Gunil. ⚠️ - possíveis gatilhos: Violência, violência sexual, bullyi...