𝟎𝟎𝟔

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JUNGSU

Assim que cheguei em casa, minha mãe, com o avental ainda amarrado sobre a barriga redonda, me chamou com aquela voz calma, mas firme, que sempre usava quando queria que eu fizesse algo sem questionar.

— Vá se arrumar. Vamos à igreja hoje.

Franzi o cenho, surpreso, pois não costumávamos ir à igreja durante a semana. Antes que eu pudesse perguntar, ela continuou:

— Acho que pode haver algo especial esperando por você lá.

Aquelas palavras me deixaram desconfortável. "Algo especial?" Eu não sabia o que ela queria dizer com aquilo, mas uma parte de mim já pressentia que algo estava por vir. Nos últimos dias, com tudo o que tinha acontecido com Gaon, minha mente estava um caos. Eu não conseguia parar de pensar nele, nas palavras que ele disse, no modo como me afastou pela primeira vez. E, ao mesmo tempo, estava dividido entre a culpa e o medo de tudo que eu sentia, a pressão esmagadora da minha família, da igreja, da sociedade. Era como se eu estivesse sendo lentamente esmagado por expectativas que não eram minhas.

Mesmo assim, segui o que minha mãe ordenou. Me arrumei, peguei minha Bíblia e saímos em direção à igreja. No caminho, olhei para o livro sagrado que estava no meu colo, a capa preta com letras douradas que diziam "Bíblia Sagrada: Novo Testamento". Era estranho como aquele objeto, que deveria ser fonte de conforto e orientação, se transformava em um peso que eu mal conseguia carregar. Por que aquilo era tão importante? Por que, aos olhos de tantos, o que eu sentia era um erro? Duas pessoas do mesmo sexo não podem se amar e construir uma vida juntas? Por que o amor entre dois homens era visto como algo tão errado?

Essas perguntas rodopiavam na minha mente, um ciclo interminável que só aumentava o aperto no meu peito. E, no centro de tudo, estava Gaon. Só de pensar nele, meu coração doía. Nos últimos dias, o vi conversando com outro garoto, um tal de Minho, que sempre deixava claro o quanto gostava de Gaon. Eu sabia que Minho poderia retribuir os sentimentos de Gaon de uma maneira que eu, até agora, não tinha sido capaz. Isso me fez sentir ainda pior. As lágrimas ameaçavam cair, mas eu as contive, com medo de que meus pais percebessem.

Do lado de fora, uma chuva forte começou a cair, acompanhada por trovões e relâmpagos. Era como se o céu estivesse espelhando o caos que eu sentia por dentro. A chuva batia contra as janelas do carro, e eu me sentia pequeno, sozinho, apesar de estar cercado por pessoas. Era como se a natureza estivesse dizendo: "Nós sabemos como você se sente, e estamos tristes por você."

Quando chegamos à igreja, minha namorada, Yoo-na, veio me receber com um sorriso. Ela me envolveu num abraço apertado, mas, dessa vez, aquilo me incomodou mais do que nunca. Antes, eu costumava aceitar esses abraços como parte do teatro que precisava manter, mas agora, sentia que estava sufocando. Ela parecia radiante, e eu, ainda tentando entender o motivo, a abracei de volta, mas sem conseguir esconder o desconforto.

Nos sentamos juntos no banco da igreja, mas minha mente estava em outro lugar. O pastor falava sobre pecados e redenção, mas tudo que eu conseguia pensar era em Gaon. Eu queria estar com ele. Queria sentir o cheiro suave de cereja de seus cabelos bicolores, ouvir a risada que me fazia esquecer dos problemas, e até brincar com o apelido ridículo que ele tinha inventado para mim quando éramos crianças. Mas ali estava eu, sentado ao lado de Yoo-na, fingindo ser alguém que eu não era, em um lugar que já não fazia sentido para mim.

Yoo-na, percebendo minha distração, tocou meu braço suavemente.

— Está tudo bem? — ela perguntou, os olhos grandes e preocupados. — Aconteceu alguma coisa?

— Não... está tudo bem — respondi, sem conseguir olhar diretamente para ela, e voltei a fitar o altar, desejando que o sermão terminasse logo.

Após o momento dos louvores, minha mãe se aproximou e pediu que eu a acompanhasse até uma sala reservada, onde um dos pregadores, os pais de Yoo-na e, para minha surpresa, a própria Yoo-na já estavam. Eu senti meu estômago revirar. Não gostava do rumo que aquilo estava tomando. O pregador começou a falar.

— Bem, gostaríamos de saber se vocês estão de acordo com o casamento de vocês dois. Precisamos do consentimento de ambos para que seus pais possam começar a organizar tudo.

O quê? Meu coração parou. Eu estava em choque, mal conseguindo processar as palavras. Casamento? Como assim, casamento?

Antes que eu pudesse reagir, Yoo-na apertou minha mão com força e, com um sorriso radiante, respondeu com entusiasmo:

— Sim! Eu estou completamente de acordo!

O mundo ao meu redor pareceu parar. Era como se eu estivesse sendo sugado para um buraco sem fundo. Como aquilo estava acontecendo? Eu não queria me casar com Yoo-na. Eu mal conseguia estar ao lado dela sem me sentir sufocado. E agora, esperavam que eu passasse o resto da vida ao seu lado?

As palavras de Gaon ecoavam na minha mente. "Você pode beijar quantas garotas quiser, Jungsu, mas isso não vai mudar o que você sente." Ele estava certo. Nada disso fazia sentido para mim. Meus pais, a igreja, todos eles esperavam que eu fosse alguém que nunca fui. E tudo aquilo... estava me matando por dentro.

Sem pensar, soltei a mão de Yoo-na e, num movimento abrupto, me levantei.

— Eu... preciso sair. — Murmurei, mal conseguindo olhar para os rostos perplexos ao meu redor.

Corri para fora da igreja, sentindo o peso das lágrimas que agora já não conseguia mais conter. A chuva ainda caía forte, misturando-se às minhas lágrimas enquanto eu corria pelas ruas, sem me importar com o frio, com o barulho dos trovões, com o vento cortante. Eu só conseguia pensar em uma coisa: Jiseok.

Corri até a casa de Gaon. Quando finalmente cheguei, ofegante, encharcado, bati na porta com força. Era ele quem abriu. Seu rosto, ao me ver, passou de surpresa a uma expressão séria e triste.

— O que você quer? — sua voz era fria, mas não pude deixar de notar o tom de dor.

Ao vê-lo, o controle que eu mantinha desabou. As lágrimas que eu segurava começaram a cair sem parar, e eu, incapaz de falar, apenas abaixei a cabeça, derrotado.

— Eu... eu sei que errei, Ji... Eu nunca quis te machucar assim... — comecei a falar, as palavras saindo entrecortadas pelos soluços. — Eu só... só estava com tanto medo de ser aquilo que meus pais odeiam. Eu fui um covarde, mas... eu te amo. Sempre amei. Me perdoa... por favor...

Gaon me olhou por um longo momento, seus olhos suavizando. Ele deu um passo para o lado e abriu a porta.

— Entra — ele disse, sua voz agora mais gentil.

Entrei em sua casa, molhado e tremendo de frio. Subimos até seu quarto, onde ele me ofereceu roupas secas e me fez sentar ao seu lado na cama. Eu sabia que, naquele momento, podia finalmente ser sincero.

— Eu não queria assumir que gostava de você por que eu queria ser como todos os outros, meus pais esperavam de mim o que esperam de todos os outros jovens da minha idade, esperava que eu casasse, que eu me tornasse um homem com valores, mas isso tudo nunca fez sentido para mim, eu não amava a Yoo-na, eu sempre amei você, meu coração sempre pertenceu a você, Jiseok, meu peço perdão por ter te feito sofrer tanto por conta da minha ignorância.

Eu o abracei. Pela primeira vez, sem medo, sem culpa. Nos braços de Gaon, me senti finalmente em paz. Ali era onde eu pertencia.

Meu querido bateristaOnde histórias criam vida. Descubra agora