𝟎𝟏𝟎

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GUNIL

Desde que eu conheci Jooyeon algo nele me chamou atenção, talvez o jeito que ele falava, ou algo mais específico que isso, porém sentia uma conexão estranha com ele, sentia que ele também tinha isso.

Naquela noite da festa, as lembranças são fragmentadas, mas lembro de estarmos juntos no quarto, em um momento só nosso, e eu percebia os traços de apreensão no rosto de Jooyeon quando outros garotos se aproximavam. No entanto, ao meu lado, ele parecia se sentir mais à vontade, como se encontrasse um refúgio. Essa confiança silenciosa que ele depositava em mim me deixava intrigado. Eu queria conhecê-lo verdadeiramente, ir além do que ele mostrava aos outros, desbravar as camadas que o cercavam e descobrir quem ele realmente era. Mas isso era difícil. Jooyeon era fechado, e parecia viver em um mundo particular, um lugar onde poucos eram permitidos entrar.

Já fazia tempo que eu sentia que a amizade não era suficiente para expressar o que eu realmente queria com ele. O que sentia ia além, algo que crescia de forma lenta, intensa e cuidadosa. Mas como colocar em palavras um sentimento tão delicado? Sabia que, para me aproximar, eu precisaria de paciência e sensibilidade. Jooyeon era como um dente-de-leão, frágil ao toque. A menor pressão poderia machucá-lo. Ele havia enfrentado tanto, e sabia que o caminho para ele exigiria uma leveza que pudesse respeitar as cicatrizes que carregava.

O pai dele não foi preso, sabia que ele não iria lidar bem com isso, seu pai apenas foi mandado para o interior, mas não foi preso, como eu sabia disso? Bem, eu ouvi o que os policiais disseram quando foram até a casa dele para investigar tudo que ele fez, tem muita grana envolvida acredite.

Todas as pessoas que ele chegava machucado em casa era eu quem cuidava dele, nao podia deixar que minha mãe soubesse, pois sabia que ela ficaria maluca se soubesse que Jooyeon é biologicamente uma garota. Tudo por conta da religião, A Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias detesta qualquer coisa que fuja da doutrina "homem, mulher e filhos". Essa parada de religião sempre foi a pior coisa que eu já estive inserido, mórmon são nojentos, uma seita com o nome de Deus, isso sim é uma blasfêmia.

Houve uma vez em que Jooyeon chegou em casa visivelmente ferido, com uma parte da pele do busto exposta e avermelhada. Contou que um dos garotos havia arrancado a fita ortopédica que ele usava ali com brutalidade, arrancando pedaços da pele junto. Eu me senti impotente. Por mais que tentasse, não sabia como ajudá-lo a enfrentar o bullying. Tudo o que eu podia fazer era cuidar de suas feridas, limpar os machucados e estar ao seu lado, já que nem mesmo seus amigos conseguiam fazer isso. Ainda assim, me surpreendia o fato de que ele confiava em mim para vê-lo em sua vulnerabilidade, para enxergar suas cicatrizes. Ele devia temer todos os garotos, eu inclusive, não?

Quanto mais pensava, mais entendia que o que Jooyeon precisava não era apenas alguém que o protegesse. Ele precisava de carinho, de um amor genuíno que nunca havia experimentado. E diante dessas dúvidas que me cercavam, uma realização tomou conta de mim: eu o amava. De uma forma pura e descomplicada, era o tipo de amor que eu intuía ser o que ele mais precisava. Confesso que a ideia me deixou confuso. Nunca antes havia imaginado me apaixonar por um garoto, e isso mexia comigo.

Eu sabia que gostar de alguém do mesmo gênero não era algo errado, mas o ambiente em que cresci, repleto de normas e tabus, não tinha espaço para sentimentos como esse. Então, por que, quando se tratava dele, essas barreiras pareciam não importar? Talvez fosse porque ele era simplesmente ele. Jooyeon era extraordinário de uma forma que transcendia qualquer limite. Havia algo em seu olhar, um brilho resistente, mesmo depois de tudo o que havia sofrido, como se houvesse uma beleza única na sua capacidade de suportar a dor e ainda assim brilhar.

Era mais um daqueles dias em que eu me encontrava cuidando dos ferimentos de Jooyeon. Dessa vez, uma queimadura, superficial, mas que certamente ardia e o fazia fechar os olhos em um misto de dor e resignação. Ao limpar a pele avermelhada com cuidado, percebia como ele segurava a respiração, tentando conter qualquer reação. Essa resistência silenciosa era algo que sempre me tocava; Jooyeon parecia carregar cada machucado como parte de sua história, como se já não houvesse mais espaço para reclamar ou resistir.

Enquanto passava o algodão molhado em sua pele, me perguntava quantas marcas ele ainda guardava e quantas outras tentava esconder. Por um breve instante, meu toque hesitou, e senti uma vontade crescente de poder curá-lo além do físico, de fazer com que ele acreditasse que merecia mais do que apenas suportar a dor.

— Jooyeon, — comecei, mantendo a voz calma, tentando não assustá-lo. — por que você não tem medo de mim?

Ele ergueu os olhos e ficou em silêncio por um momento, como se a pergunta o pegasse de surpresa e ele não soubesse a resposta. Depois, com um tom sereno e sincero, disse:

— Eu não sei... você me ajudou tanto durante todo esse tempo. Não tem por que eu ter medo de você, Gunil.

Aquilo tocou uma parte de mim que nem sabia estar tão exposta. Em silêncio, continuei passando a pomada na pele machucada dele, movendo as mãos com cuidado e tentando manter o controle, embora meus pensamentos estivessem em turbilhão. Sentia um impulso crescente de finalmente dizer o que tinha guardado.

— Sabe... ultimamente eu...

Ele me olhava fixamente, os olhos atentos, tentando compreender o que eu estava tentando comunicar. Era agora ou nunca.

— Eu gosto de você, Jooyeon, — soltei, a voz quase num sussurro. — Eu realmente gosto de você.

Jooyeon permaneceu olhando para mim, os olhos expressando uma mistura de surpresa e confusão, como se estivesse processando o que acabara de ouvir. Ele parecia atordoado, talvez até um pouco incrédulo. Terminei de tratar o ferimento em silêncio, com o coração batendo descompassado, até que me sentei ao lado dele.

Olhei para ele por alguns segundos, apenas para me assegurar de que ele estava ali, real e presente, antes de me inclinar lentamente e deixar um beijo suave em seu rosto. Um toque breve, mas carregado de todos os sentimentos que eu ainda não sabia expressar.

Ao ouvir minhas palavras, o rosto de Jooyeon ficou ruborizado, e ele sorriu de forma suave, como se um peso finalmente estivesse deixando seus ombros. Aquele sorriso delicado, quase tímido, era o suficiente para me mostrar o quanto ele tinha guardado, o quanto aquele momento significava para ele.

— Eu também gosto de você, Gunil, — ele murmurou, com a voz suave e honesta. — Eu... estava com medo de que você... me achasse nojento por tudo o que aconteceu comigo.

Senti uma pontada no peito ao ouvir isso, uma mistura de tristeza e ternura. Acariciei seu rosto com delicadeza, deixando que meu toque transmitisse o que as palavras talvez não pudessem: "está tudo bem".

— Eu jamais te acharia nojento, Joo, — falei com firmeza, mantendo os olhos fixos nos dele. — Eu te acho incrível. Eu admiro cada parte de você.

O sorriso em seu rosto se alargou, radiante e genuíno, e ele parecia quase incapaz de contê-lo. Eu também sorri, como se aquele momento fosse apenas nosso, um espaço onde o mundo não pudesse entrar. Em um impulso, envolvi-o em um abraço apertado, e senti o quanto ele parecia relaxar nos meus braços. Estar ali, juntos, era como encontrar um abrigo silencioso e seguro. Ele estava em casa comigo, e eu estava onde queria estar: ao lado dele.

Meu querido bateristaOnde histórias criam vida. Descubra agora