Capítulo 2 - Conhecendo aos traumas.

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Tópico 2: O que aprendi sobre segundas chances.

Eu estava sentada no chão da sala de frente para a tv segurando um dos microfones, era aniversário de 50 anos do meu avô, minha mãe começa a cantar uma música de sua escolha como sempre, ela vai decidindo quais partes eu deveria cantar, mesmo eu dizendo que algumas partes da música eu não sei, meu primeiro erro se dá no segundo verso, depois no terceiro e conforme ela olha pra mim com um semblante sério eu acabo não conseguindo finalizar a música.

– Você é burra?

– Que?

– Tô perguntando se você é burra.

– Não, eu só não sei a letra, eu avisei que não sabia.

– Mas eu canto essa música toda vez, já era pra ter decorado a letra, se ficar me atrapalhando eu não consigo cantar direito! Será que nem pra ser backing vocal você serve? Como eu fui dar a luz a alguém como você?

Aquilo me pegou em cheio, ela sabia exatamente onde apertar ou chutar pra me fazer sentir como alguém inferior, alguém sem capacidade de aprendizado, ou melhor ninguém, ela me fazia sentir como se eu fosse ninguém, mesmo que supostamente fosse pra eu ser o amor da vida dela, assim como ela vivia dizendo para os outros que eu era.

– Eu só errei o ritmo da próxima vez, eu acerto.

– Não pode confiar sempre nas próximas vezes, tem que fazer de primeira como eu, como vai provar que é boa o suficiente pra cantar comigo se nem no karaokê você não consegue?

– Desculpe

– Não ouvi

– Me desculpe mãe, eu vou dar meu melhor

– É o mínimo que eu espero, apesar do seu melhor ainda não ser o suficiente, eu posso me conformar com isso por enquanto, afinal nem todo mundo pode ter uma voz como a minha.

Eu tinha uns 5 anos quando ouvi aquilo mas ainda me lembro claramente da sensação de ter algo entalado na garganta, é a mesma sensação que me consome agora, estou a ponto de sufocar, as paredes desta sala parecem estar se fechando ao meu redor conforme minha mãe continua me dizendo que não sou suficiente apesar dos meus esforços, posso ter durado três anos aqui mas, não quer dizer que alcancei o sucesso na verdade nem cheguei perto deste, não sai da minha zona de conforto, não fiz amigos, não consegui nem mesmo cantar na frente dos professores, porque tem essa voz me dizendo que até no meu melhor eu estou falhando, e a sensação de falhar me causa náusea e enjoo.

A porta da sala é aberta com certa violência e ouço várias risadas seguidas de vozes femininas, percebo finalmente onde me encontro e volto a sentir meus pés tocarem o chão, minha respiração vai normalizando até que ouço meu nome ser chamado.

– Eve! Estamos falando com você!

– Que?

– Estávamos querendo saber se podemos usar essa sala, já que você nem vai ensaiar mesmo.

– Ah, é que eu reservei a sala por um dia inteiro

– É mas, você não parece estar usando ela sabe, aliás você nem precisa de uma sala com boa acústica, você nem canta.

– Ai meu deus krista não acredito que você disse isso.

– Eu só falei a verdade, ela pode muito bem procurar outra sala, deixar que pessoas com talento de verdade possam treinar. - As risadas aumentam e eu ainda sinto um resquício de tontura quando decido guardar o violão e sair do local.

Vou em direção ao banheiro feminino e assim que adentro o mesmo lavo meu rosto encarando o espelho, eu não reconheço a pessoa que me olha, eu fui treinada durante tanto tempo pra não ter reação quando alguém me julga que acabei realmente ficando sem reação, se Amanda me visse assim ela me daria um tapa pra se certificar de que eu ficaria com raiva o suficiente para devolvê lo.

Everything For A SongOnde histórias criam vida. Descubra agora