Capítulo 1 - Conhecendo a si.

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Está chovendo lá fora, e no momento que me aproximo da janela do segundo andar, consigo ver meus pais saírem do carro, igualmente furiosos. A porta da frente é destrancada e após dez segundos, fechada com força. Saio do meu quarto andando na ponta dos pés para fazer-me imperceptível, me aproximo da escada ficando escondida e finalmente consigo ouvir o que estão falando.

Tópico 1° O que aprendi sobre família.

- Ela é só uma criança!

- Não, Helena, você quer trata lá como uma criança, mas nós dois sabemos que 18 anos é uma idade perfeita para que ela resolva que está na hora de cuidar da porra da própria vida!

- E de mim quem vai cuidar?

- Você já é bem crescida pra precisar de cuidados querida.

- Mas eu preciso! Preciso da minha filha, é ela quem faz meu café, lava minhas roupas, marca meu horário no salão.

- Todas essas coisas você tem habilidade de fazer sozinha ou pode contratar uma empregada pra isso.

- Você fala isso porque não é você que vai ficar sozinho! Minha menina já é treinada pra fazer tudo o que eu preciso, a empregada eu teria que ensinar

- De novo com essa história! Eu não consigo entender como sua mente funciona, quer mesmo que ela fique debaixo da sua asa pra sempre?

- Se for necessário, eu quero! Ela não pode viver sem mim, Daniel, você sabe como é o mundo lá fora.

- Eu já comprei a passagem. - Seu tom é tão baixo que eu me esforço mais para ouvir seu lado da conversa.

- Mas que.. - O som do vidro quebrando faz com que meu ouvido dê uma pontada e automaticamente me sinto enjoada.

Eu já devia ter me acostumado, as brigas deles sempre terminam com coisas quebradas ou alguém quebrado mas, desta vez é diferente, é diferente porque é minha última vez aqui, é diferente porque será a primeira vez que eu não vou precisar bancar a filha obediente e perfeita, eu vou poder fazer o que quero e pela primeira vez na vida meu pai está determinado, determinado a nunca mais me ver.

- Olha o que você fez! Podia ter me acertado!

- Minha mira não é tão boa quanto a sua, você não vai tirar minha filha de mim, não se eu puder evitar.

- Se divirta brincando de boneca sozinha, essa garota vai embora e acabou, minha paciência com ela esgotou e com você também! Melhor sumir da minha frente se não quiser que eu perca a cabeça e.. recolha os cacos!

Ela grita furiosa e logo após vem o ranger da escada de madeira, vou rapidamente para o meu quarto fechando a porta e rezo para que meu pai não tenha me visto correr ou a sua raiva pelo acontecimento prévio seria destinada a mim.

A manhã seguinte chega e traz consigo todos os tipos de sentimentos mas, o maior deles é a culpa, não consegui me despedir da minha mãe porque meu pai simplesmente me botou no carro junto de todas as minhas malas e me trouxe para o aeroporto, esse é o tanto que ele quer se livrar de mim, e já perdi a conta de quantas ligações dela já recusei, estou tentando me agarrar a promessa que fiz a minha melhor amiga de não desistir dessa oportunidade, mas, se eu atender essa ligação agora talvez seja impossível seguir em frente.

- Está na hora, vamos!

Daniel me guia até o portão de embarque, sinto seu olhar sobre mim até quando entro no avião, e esse é o sinal do quanto ele me quer longe, às vezes acho que ele me mataria se eu cogitasse a ideia de voltar atrás em tudo isso.

Foram 14 horas e 30 minutos de voo mas, eu finalmente desembarquei no meu destino, New York. Olho para os lados esperando encontrar alguém com meu nome na placa e quando finalmente encontro sigo ela para ir para minha nova casa.

Minhas mãos suadas e meus olhos atentos mantiveram meu corpo em alerta durante todo o caminho até Juilliard school, parando apenas para verificar de vez em quando a paisagem através da janela da van preta.

- Senhorita Rodriguez, se me permite perguntar.. - ela começa e eu dou sinal para que possa prosseguir. - Já esteve em New York antes?

- Não, é minha primeira vez, saindo do Brasil.

- Entendo o nervosismo, mas, acho que vai gostar da nossa universidade, afinal é uma das melhores do mundo, mal posso esperar para descobrir qual é seu talento.

Dou um sorriso desejando que ela finalize a conversa.

- Eu também, mal posso esperar... - Sussurro para mim.

Sei que vim parar aqui porque a minha melhor amiga achou estar na hora de dar um grande passo na vida, assim como ela, mas eu penso que não estava preparada, talvez eu nunca esteja, e essa realização faz com que as minhas mãos suem.

3 Anos Depois


Mesmo tendo passado tanto tempo, minha zona de conforto ainda pairava ao meu redor, e é por isso que quando meu destino finalmente bate na porta, sinto que na verdade ele passou por cima de mim com sacos enormes de cimento e me deixou largada no chão sem nem sequer chamar uma ambulância.

- Há três anos atrás o que eu te disse para nunca fazer se quisesse sobreviver até o último ano aqui?

- Não me meter com a Hanna...

- E o que você fez?

- Me...meti com ela?

Fecho os olhos com um pouco de força e recosto a cabeça no armário, há exatos 30 minutos eu estava na última aula do dia quando a professora decidiu passar a lição principal para a última semana do mês, lição essa que se trata de um dueto, dueto esse que eu tive a maior sorte do mundo de escolher o mesmo número que a senhorita Smith, me eliminando de forma automática de uma competição que mudaria o rumo de como as coisas estão fluindo para mim, e detalhe as coisas estão grotescas pro meu lado, a perda dessa competição vai ser mais um acontecimento péssimo pro meu histórico.

Com qualquer outra pessoa eu poderia estar confiante de que ela me ignoraria e me deixaria compor algo para que ela pudesse cantar e expor seu talento, mas com Hanna, eu sei que será diferente, nunca trocamos duas palavras antes, porém todos sabem o quanto Smith ama uma competição e odeia que a deixem entediada, ela consegue ser bem explosiva quando não dão o que ela quer.

Sinto Kate tocar meu braço pra que eu desencoste do armário e ela finalmente possa abri-lo.

- Exatamente Eve, você fez o contrário do que eu te disse pra fazer faltando apenas um ano pra você se formar com glória.

- É Eva.

- O que?

- Kate, meu nome é Eva não, Eve.

- Tanto faz, dá na mesma, você vai ter que fazer um dueto com ela, na frente de 500 pessoas e um júri.

- Você não está me ajudando, sabia? Tá me deixando apavorada.

- E não é pra menos, em todos esses anos eu só te vi cantar pra 4 pessoas e todos eles eram professores, e eles sempre te repreendiam, também tem o fato de que só suas composições te permitiram continuar aqui, já que os professores assumiram que você não aguenta como cantora.

- Ah! muito obrigada, não é como se minha cabeça estivesse cheia o suficiente pra você me botar mais pilha.

- Eu sou sua amiga tenho que te falar a realidade

- A realidade é que eu vou resolver isso, só preciso de um tempo, agora se me der licença eu preciso chorar no banheiro.

- Boa sorte para achar um banheiro livre, do jeito que sua sorte tá hoje é capaz de acabar tendo que chorar debaixo das escadarias do campus.

Não me lembro como eu vim parar na sala de prática depois que conversei com Kate, só sei que ela me deixou tão pilhada que minhas mãos estão tremendo mesmo eu tentando estabilizá - las para me obrigar a tocar o violão.

Suspiro.

- Eu não posso fazer isso. - Respiro fundo deixando o violão encostado na parede de madeira e me levanto exercitando o ato de inspirar e expirar.

Minha cabeça está a mil por hora e eu não sei como acontece, mas minha mente acaba me levando para um flashback de alguns anos atrás no intuito de fazer uma ligação do passado com o que está acontecendo hoje comigo.

Everything For A SongOnde histórias criam vida. Descubra agora