16 | Algo importante

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Vivienne Barbieri

Uma semana tinha se passado sem que Haziel aparecesse. Durante todos os últimos dias, fora Gringo que aparecera para me treinar, e pontualmente às nove da manhã. Ficávamos até a uma da tarde, quando só então ele me deixava almoçar. Tínhamos feito algum progresso, mas apenas se tratando do preparo físico. Na maior parte das vezes, nenhum de nós se dava bem um com o outro, mas isso era bom. Me dava um certo gás para devolver os golpes.

Os treinos, ao menos, estavam captando minha atenção, e eu não andara pensando tanto. Não refletia sobre minha condição financeira decadente, sobre a reputação de minha família ou sobre meu futuro, o que era um alívio. A última questão, no fundo, me atormentara desde a morte de meu pai. A partir do momento em que fui adotada, minha entrada para a política foi tida como certeira por Jordan, e eu ficara deslumbrada com essa possibilidade. Não pelos motivos certos, e sim por conta do poder. Era o que eu mais almejava. Mas agora... essa oportunidade se esvaía aos poucos. O poder parecia estar muito longe de ser conquistado, parecia até improvável.

Isso me assustava. Muito. E realmente fora um alívio distanciar meu foco disso.

No sábado, entretanto, após os exatos sete dias, Gringo mandara uma mensagem falando que me daria folga naquela data. Eu duvidava que tinha sido uma decisão movida à piedade, problemas talvez tivessem aparecido para ele ou Haziel.

Com o dia todo para mim, eu realmente tentei continuar me distraindo. Fiz uma hidratação com os produtos caros restantes em meu cabelo e esfoliei toda minha pele. Era bom me cuidar. Era, na verdade, uma das poucas coisas que me fazia me sentir bem fora o álcool.

Às duas horas da tarde, meu cabelo estava sem nenhum frizz e com a raiz retocada com o loiro pérola. Minha pele estava macia e brilhando, meu rosto estava até cheio de maquiagem. Só que... como sempre, o vazio sempre presente em meu peito continuou a perdurar.

O vazio que eu admitia a mim mesma que nunca ia embora.

Eu encarei a garrafa de vodka em cima de minha penteadeira, cogitando beber um pouco mais. Aquela era uma bela distração. E eu não tinha muito mais o que fazer.

Cheguei a elevar minha mão para pegá-la, mas algo, no fim, me fez desistir. Permaneci ali, apenas encarando minha pequena poção mágica. Era estranho não sucumbir à minha necessidade. Eu não fazia isso muito, não em relação àquilo.

Eu sabia que, se começasse a beber, não pararia no primeiro ou segundo copo. A primeira hora seria maravilhosa. Me deixaria relaxada, meus pensamentos se tornaram voláteis e eu riria à toa, boba. Talvez na segunda ou terceira hora, a sensação iria ameaçar a passar, e eu beberia mais um pouco, movida pela compulsão e ansiosa para sentir um pouco mais daquela espécie de alívio inebriante. Acontecia que a embriaguez seria um pouco mais diferente. Eu continuaria inebriada, mas agora com um certo peso na mente. Era difícil explicar a sensação, eu só sabia que não me sentiria tão livre de mim mesma. Muito pelo contrário, na realidade. E, por fim, eu continuaria enchendo meu copo com o líquido de grande teor alcoólico até ter certeza de que a quantidade seria suficiente para me trazer um sono pesado e sem sonhos, que me faria esquecer da realidade o maior tempo possível.

O fato era que... estranhamente, eu não pude me deixar fazer aquela escolha que resultaria na minha indiferença com a realidade. Malditamente, era Theodora que parecia interferir nisso. Meus pensamentos de voltavam a ela por vezes.

Eu não a via desde o episódio da boutique.

Desde que ela fora adotada, nunca houve uma quantidade de tempo que ficamos tão afastadas como aquela. Nós brigávamos muito, sempre tivemos opiniões diferentes em relação a tudo, só que morarmos no mesmo teto fazia com que continuássemos convivendo como família. Não era o que acontecia agora.

Criaturas BrutaisWhere stories live. Discover now