21 | Coleira

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Vivienne Barbieri

Eu acordei com um barulho vindo da cozinha.

Tinha caído no sono no quarto de Haziel, embora não fosse minha intenção. Eu acabara deitando em sua cama após o banho, uma vez que a dor entre minhas pernas me consumia pouco a pouco. Não era para eu me sentir tão em casa ao ponto de abaixar totalmente a guarda e deixar que os sonhos tomassem conta de mim. Estranhamente, não tive pesadelos, não naquela noite, e meu sono fora pesado, o que não acontecia sem a presença de álcool em meu organismo.

Eu estava coberta e perfeitamente ajeitada na cama, e sabia que não tinha caído no sono daquela maneira. Não pensei muito nisso, apenas me coloquei de pé, ainda sentindo uma pontada de dor em meu corpo e, agora, em minha bunda. Malditamente, nada daquilo me fazia me arrepender de nada.

Sabia que tinha deixado minhas roupas na sala, então coloquei a primeira camisa de Haziel que encontrei. Ignorei o seu cheiro impregnado nela. No segundo em que cheguei ao fim do corredor, avistei Haziel tirando alguns alimentos de sacos provenientes de alguma padaria. Analisei seu rosto cuidadosamente, e isso me levou à noite passada de uma só vez.

O modo como nossos corpos se encaixaram, a maneira exploradora como me contemplava, a forma impiedosa de me foder e o modo atencioso de me segurar, o calor de sua pele que consumiu a minha por todo tempo, o prazer que ninguém nunca tinha me proporcionado antes.... Ele estava certo a todo momento. Aquela fora uma tentativa de manter algum controle em pelo menos um aspecto, mas saíra por ladeira abaixo. Eu não tivera o domínio nem mesmo de minhas sensações e, vergonhosamente, sentimentos naquela noite.

Após poucos segundos, Haziel tomou ciência de minha presença, e seu olhar que dizia muito do qual eu não sabia ler esquentou toda minha pele de uma só vez. Dei meu melhor para não demonstrar isso e para deixar claro que aquela noite realmente não tinha significado nada, mesmo quando aquilo não poderia estar mais longe da verdade. Eu ainda não entendia como Haziel me afetava, como meu corpo respondia tão bem ao seu e, principalmente... como eu podia querer mais do que ele me dera. Isso nunca tinha acontecido.

Haziel desviou a atenção para sua camisa que envolvia meu corpo, que ia até metade de minhas coxas, e se demorou ali. Por um momento, não teve nada que eu poderia querer mais do que saber o que se passava por sua mente. Quando ele tornou o olhar ao meu, eu pude jurar que vi um pouco de satisfação transbordar de seus olhos.

— Deve estar com fome. A noite de ontem foi longa, afinal. — Ele foi o primeiro a romper o silêncio. Indicou com o queixo para a mesa, e eu hesitei, mas acabei indo me sentar ali.

Avaliando-o mais de perto, pude notar suas olheiras roxas, as mesmas com as quais estava mais e mais habituada. Seus olhos estavam fundos, e sua barba estava por fazer. Tentei prestar mais atenção nisso, e não nos arranhões de unhas que tinha deixado em seus braços definidos.

— Não tanto quanto a sua, parece — murmurei, e ele semicerrou os olhos para mim por um segundo antes de me dar um prato e uma xícara. Me servi de café sem fazer muitos rodeios, surpreendentemente.

— Estive tentando arrumar a bagunça que você me provocou — respondeu secamente, como se tivesse lembrado a si mesmo de que tinha que nutrir alguma raiva por mim pelo que eu tinha feito. Bom.

— Conseguiu?

— Nem perto disso, Vivienne. Mas consegui manter o que sobrou sob controle. O fogo chamou a atenção, e gente que não é bem-vinda na comunidade tentou aproveitar o momento de fraqueza e tomar posse de outros pontos que, de alguma maneira, sabiam que continham minha mercadoria. Não conseguiram.

— Hum... — Foi o que soltei. Na verdade, o que eu tinha feito não me trouxera nenhuma satisfação a longo prazo. Contraditoriamente, eu não parecia... me sentir bem.

Criaturas BrutaisWhere stories live. Discover now