Estava novamente naquela escuridão profunda, mas dessa vez de um quarto. Tinha estado inconsciente e estava sem o casaco e o short. Ouvi passos se aproximarem do quarto e me levantei imediatamente recuando instintivamente e procurando janelas ou lugares por onde eu podesse fugir daquele lugar, estava muito escuro para enxergar, mas eu sabia que a escuridão e eu tínhamos algo em comum, e seja lá o que fosse ela iria me ajudar. Encontrei uma pequena brexa que dava em algum lugar do lado de fora do motel mas era quase impossível passar, não tinha tempo pra pensar. Chutei a grade pequena que revestia a passagem exatamente 4 vezes, eu sabia que ele não podia ouvir, as paredes eram revestidas com essa intenção e a grade caiu, não era possível eu passar, nem se eu fosse uma contorcionista. Foi então que eu vi o objeto se iluminando na escuridão, uma faca de carne com um pequeno bilhete em cima dela, escrito: use-a. Me virei com pressa e peguei a faca com as mãos amarradas e comecei a cortar o pano com cuidado para não me ferir. Ouvia os passos lentos ficando mais próximos de onde eu estava, mas a essa altura já tinha cortado o pano e estava esperando o caçador vir para que a sua própria caça o enlassace. Ele entrou e fiquei posicionada sentada na frente da brexa com a cabeça abaixada onde havia encontrado a faca de alguém que sabia que eu estava ali e queria me ajudar, mas quem? Eu gostaria de saber. Quem quer que fosse gostaria que eu soubesse que foi de propósito, queria me proteger. Com as mãos para trás para que ele não soubesse ou percebesse algo, continuei imóvel tentando mostrar medo no meu olhar. Ele me puxou com força pelo braço esquerdo me deixando de pé, foi então que em um rápido movimento consegui enfiar a faca no seu ombro direito, fazendo-o ficar imóvel com aquela situação inesperada. Ele gritou em êxtase e começou a ir na minha direção, raiva estava passando por seu corpo como uma vibração. Corri com a adrenalina e haviam dois homens na porta, me perguntei o que eles queriam, por sorte não me viram. Apenas um, olhou para mim com olhos castanhos mel e brilhosos, eu já tinha visto aqueles lindos olhos, e senti varios calafrios pelo meu corpo apenas com aquele olhar, mas não podia pensar nisso, não agora. Ele apenas continuou a olhar cada movimento meu, e então me lembrei que estava apenas de sutiã e calcinha, ele me olhava com cuidado parando os olhos especialmente em minhas pernas, e outro arrepio subiu pela minha vértebra, eu conhecia aquele homem, encarei-o com os poucos segundos que eu tinha e ele não quebrou o olhar, foi então que ouvi os gritos do homem que havia tentado me estuprar. O homem ao seu lado parecia não perceber nada, eu estava imóvel e não sabia se era pelo medo ou por vê-lo, ele gritou com os olhos cautelosos e sua voz firme:
-Vá! Agora!- uma voz muito familiar, eu não conseguia me lembrar quem era aquele homem, mas senti uma súbita necessidade, um desejo incontrolável de tê-lo, de que o conhecia.
Encontrei uma janela do lado em que estava e rapidamente pulei, dei uma última olhada pra trás e ele não estava mais lá. Estava frio como o inferno e eu continuei a correr por meio de arbustos tentando encontrar um lugar seguro ali, mas nada tinha aparência de segurança, era um lugar estranho, não parecia nem um pouco com a Nova Iorque que conhecia da TV. Era mais empalecida e mais sombria. Eu tinha que sair dali, logo.
Caminhei alguns metros e vi uma casa que lembrava muito a minha, olhei a chave que estava no meu bolso e tinha um chaveiro pequeno com um número 412, fiquei pasma ao ver que o número era o mesmo da casa. Aquilo era um jogo? Onde eu estava? O que tinha naquela casa? Outro estrupador? Eu precisava saber. Abri a porta e vi uma pequena lanterna em cima de uma mesa com 2 livros que eu amava. Novamente eu e a escuridão juntas em uma sincronia que parecia inquebrável. Peguei a lanterna e quebrei a conexão entre nós, vi um pequeno acendedor e o liguei fazendo a casa toda ficar iluminada e cheia de vida, e pela primeira vez desde que eu tinha "acordado" me sentia segura.
Eu estava na sala, e comecei a andar pela casa, era idêntica a minha, eu não conseguia entender, eu não morava em Nova Iorque como poderia ter uma casa aqui? Subi as escadas e haviam dois quartos e percebi que tinha que ser a minha casa, não havia nada de diferente do que eu tinha deixado ao sair para trabalhar no dia anterior, nada estava se esclarecendo, só piorando. Entrei no meu possível quarto e lá estava minha cama, imediatamente abri o guarda roupas e encontrei cada peça minha, eu estava muito cansada pra tentar entender o que estava acontecendo comigo, e quem era o homem que até então me causava arrepios de provavelmente lembranças boas. Me perguntei se veria aqueles olhos novamente. Então apenas peguei as roupas e me dirigi ao banheiro da minha suíte me lavando completamente, foi então que comecei a perceber algumas marcas de agulhas e vermelhões pela minha pele nos meus braços, pernas e barriga e uma cicatriz em forma de X no meu pulso. Ao ver aquilo arrepios subiam pelo meu corpo, foi então que um relâmpago de memória apareceu como uma pequena chama em minha mente, eu estava sentada em um lugar escuro, um homem mascarado de olhos verdes me mandava ficar quieta enquanto enjentava algo em mim. Ele dizia:
-Querida, não se preocupe, isso é para o seu próprio bem, para o nosso futuro.
"Para o seu próprio bem, para o nosso futuro." Essas palavras latejavam e eu sai da banheira respirando e inspirando com dificuldade, aquele pequeno feixe de memória desencandeiou medo daqueles olhos, medo que me fazia ficar tonta. Apaguei a luz, e me deitei. Só queria a escuridão comigo naquele momento, ela parecia me proteger, me enrolei debaixo das minhas cobertas e as palavras continuavam a flutuar constantemente na minha mente "para o seu próprio bem, para o nosso futuro." Meu Deus, eu tinha que saber o que estava acontecendo comigo. Depois de alguns momentos meu corpo não aguentou e nem mesmo medo conseguiu controlar o sono que eu tinha.
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Universo paralelo
Mystery / ThrillerSinopse: Eu não tinha uma noção de tempo, muito menos de onde estava. A escuridão parecia mais uma estrada na minha mente confusa, eu me lembrava das últimas 24 horas e me lembrava de um homem que tinha brilho no olhar quando falava comigo. Mas não...