Capítulo 2

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Eu me convencia de que aos poucos a faculdade iria me matar, eu olhava para o professor falando e falando e sentia a máxima vontade de ir embora. Eu basicamente só estava ali pelo diploma, não era isso que eu gostava de fazer. Talvez se você fosse me analisar pelo meu perfil nas redes sociais veria uma conta bem básica dizendo que meu nome era Beatriz, que eu tinha 19 anos, era estudante de Publicidade e moradora do Rio de Janeiro.

Eu não era grandes coisas, nem postava muito conteúdo assim para me manter interessante para as outras pessoas, porque a verdade é que as pessoas que habitam as redes sociais, desde a sua colega da faculdade até a influencer de 2 milhões de seguidores, todos eles só queriam se mostrar. Mostrar o quanto eram foda, o quanto tinham isso e aquilo e maquiar a vida de merda que tinham para que parecesse perfeita. Mas há falhas e a verdade sempre vem. Eu me mantinha na escuridão e dando poucos detalhes sobre mim para que assim eu pudesse revelar mais dos outros do que de mim. Ouvir mais que falar. Confesso que era um pouco hipócrita eu ter medo de que fizessem o mesmo que eu fazia com as pessoas na internet, mas escolhas eram escolhas e essa era uma das consequências de se expor demais .

Quando eu tinha 12 anos fui exposta na internet.

Filmaram uma brincadeira sem graça que fizeram comigo e postaram na internet e o vídeo viralizou de uma forma sádica. Saiu no jornal, em tudo.

Desde que isso aconteceu tentei mudar totalmente.

Cortei o cabelo curto, emagreci 20kg, andava sempre maquiada e quando atingi a maioridade me cobri de tatuagens.

Antes eu era Beatriz Marques nas redes sociais, mas depois que saíram uma série de matérias sobre mim usando esse nome, criei um novo perfil pessoal do zero:

Bea Fernandes.

No Bea Fernandes só havia 3 fotos: uma de perfil atual, a de perfil antiga e a foto de capa.

Sempre que eu adicionava uma foto nova sumia uma antiga.

Não haviam posts, não haviam compartilhamentos, marcações, nada. Todas minhas redes sociais eram assim.

No entanto, eu tinha outra conta, Laura Lima. Uma fake criada com fotos de uma menina anônima que eu tinha descoberto no tumblr anos antes. Essa anônima se chamava Catherine e apesar de ser estadunidense tinha um rosto estranhamente comum para uma brasileira.

Eu vinha salvando e postando fotos da Catherine desde 2012 em uma conta paralela, a da Laura.

Laura tem amigos, Laura tem vida social, Laura tem opiniões e gostos. Laura parece um perfil comum em qualquer rede social, seja Instagram, Facebook ou Twitter. Mas Laura não era Laura. A Laura das fotos era Catherine e a personalidade dela era a minha, com uns toques de coisas inventadas.

O fake era tão bem feito que eu conseguia adicionar e stalkear qualquer um com ela.

No fim do dia, qualquer perfil privado estava sob minha mira.

No fim do dia, eu era outra pessoa. Porque a verdade é que me fizeram odiar quem eu realmente sou.

Voltando a aula, a minha vontade era de me levantar daquela situação e ir embora, assim sem dar satisfação, mas a lembrança de que meus pais pagavam caro para eu estudar acabou me mantendo ali, parada, mesmo que não prestando nenhuma atenção, porém marcando presença corporal naquela aula.

Peguei meu celular e resolvi fuxicar uma nova vítima, na verdade já era uma das minhas pessoas preferidas de ser stalkeada. Seu nome era Jéssica e ela tinha uma vida perfeita. Além de linda, tinha muitos amigos, e era incrivelmente desejada pelos homens. Ela poderia fazer inveja a qualquer um, inclusive a mim mesma. Eu buscava seu perfil todos os dias para encontrar falhas no seu mundinho perfeito e tudo que eu constantemente encontrava eram frases que feriam pelo menos 20 direitos humanos em seu Twitter, mas só.

Eu era mestre em encontrar outras redes sociais das pessoas, principalmente porque elas tinham uma mania: adoravam usar sempre o mesmo usuário. A Jessica não era diferente, usava seu nome Jessica Bittencourt, geralmente junto, em todos. Não era difícil descobrir o motivo, principalmente porque ela tinha milhares de seguidores e gostava de colecioná-los. A única coisa que eu não entendia era como alguém com uma personalidade tão podre conseguia tantos admiradores.

O mundo era injusto e disso eu sabia há muito tempo, não era novidade. Respirei fundo e comecei a fuxicar outra amiga dela. Era engraçado porque essas pessoas pareciam ter a vida perfeita de qualquer jeito e não abriam muito espaço para as brechas das falhas que todo mundo tem.

- Beatriz? – Ouvi alguém me chamar e rapidamente fechei o Instagram e fingi não estar utilizando a rede social "de outra pessoa" para me aprofundar na vida de outrem. Quem estava me chamando era minha única amiga na turma, a Manuela.

- Fala. – Respondi tentando parecer o máximo normal possível enquanto por dentro eu estava vibrando de medo de ser desmascarada no meio da minha atividade preferida.

- Você tem as anotações da aula passada? Eu não vim. – Respirei fundo quase num êxtase por perceber que ela não estava observando a minha atividade no celular.

Ainda bem.

***

- Você se sente culpada em algum momento de fazer isso? – Perguntou minha psicóloga. Ela era particularmente muito interessada no que eu fazia às escondidas. Por algum motivo aquilo era um assunto que a gente costumava ter nas consultas.

- Na verdade não. – Eu disse dando de ombros, o pior de tudo era saber que eu não estava mentindo, que eu de fato não tinha culpa nenhuma de destrinchar a vida das pessoas nas redes sociais.

- Você acha que tem algum motivo pra isso? – Ela perguntou insistindo no assunto. Me arrependi amargamente de ter citado o receio de Manuela ter visto eu usando o perfil da Laura para fuxicar a Jéssica.

- Como assim? – Tentei me fazer de sonsa, porque na real eu não aguentava mais refletir sobre aquilo. Eu era o que era e acabou! Eu gostava de fuxicar a vida das pessoas, eu era problemática e conturbada. Eu sabia bem disso. Não precisava nenhuma psicóloga de merda me dizer isso.

Todos os traumas da minha vida, nada deles foram minha culpa! As pessoas sempre foram muito cruéis comigo porque eu era um alvo fácil e só. Eu era um boneco do João Bobo para essas pessoas.

Não, não tá tudo bem.

Mas me esconder enquanto sabia tudo sobre todos era o que me fazia bem! Era uma falsa sensação de controle.

- Qual você acha que é a origem desse comportamento? – Revirei os olhos e me levantei. Deixei a psicóloga completamente em pânico, acho que isso nunca aconteceu com ela, uma paciente deixar a sessão no meio do nada.

Ela começou a gritar meu nome enquanto eu saía da sala sem falar nada. Apenas deixando ela gritando sozinha. Quem era a doida afinal?

Entrei no elevador com uma satisfação enorme. Eu sabia tudo da minha psicóloga. Com certeza mais do que ela sabia de mim. Eu não falava quase nada nas sessões, quando falava era sobre outra pessoa que não era eu.

Por isso eu acho estranho o fato dela nunca ter deixado de se expor na internet, ou nunca ter perguntado se eu pesquisei sobre ela. Na verdade, além de um tanto quanto desatenta, ela era uma péssima psicóloga.

Cheguei na recepção e percebi que meu celular tocava, era ela. Talvez eu de fato não estivesse desejando enfrentar meus problemas, mas no fim das contas quem se importava? Coloquei o telefone no modo avião, porque desligá-lo era quase um crime pra mim.

Saí andando pelas ruas da capital fluminense como se não houvesse nenhum problema. Na verdade tinham vários: a prova que tinha que fazer naquela semana, o trabalho que tinha que entregar...

Ainda sim eu fingia que nada daquilo estava de fato acontecendo, peguei um táxi rumo a faculdade e decidi que lá eu esqueceria que a minha psicóloga era uma cuzona e que eu não tinha um milhão de coisas de adulto para fazer.

Respirei fundo enquanto o táxi me levava pro meu destino. Eu podia jurar que estava tentando ao máximo não me sentir mal pelo que estava acontecendo. O trânsito estava ruim, mas pelo visto Deus tinha sido bom comigo e me deixou em frente a minha universidade o mais rápido possível.

**

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Stalker - ATO I [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora