.08 | a inocência de uma criança e a falta de nostalgia de um adulto

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Uma criança estava parada admirando Killua com a boca meio aberta há algum tempo sem que ele percebesse, muito compenetrado em escrever em seu caderno enquanto aguardava o vôo. Não era para menos: estava tão enfeitado que parecia uma boneca viva, de saia longa em corte sereia preta e blusa branca de gola alta rendada, cabelo preso em um coque alto adornado por um laço com pingente de cruz e um salto plataforma que não parava de fazer barulho ao ser batido ritmadamente no chão, um sinal claro da impaciência de três planos arruinados — não que aquela criança soubesse que nem mesmo falando ele estava, ou que seus pronomes eram masculinos ou que o moço ao lado dele já tinha visto sua carinha há alguns instantes e estava apenas esperando a aproximação que viria logo. Para ela era apenas a boneca de porcelana dos seus sonhos à distância de um toque e respirando como gente de verdade, ou talvez tudo que ela quereria ser futuramente — ora, estava mesmo vestida cheia de babados e com um laçarote rosa atrás da cabeça cheia de ondinhas pretas como um corvo, carregando um coelhinho de pelúcia que também tinha um laço no pescoço firmemente.

— Moça, você é de verdade?

Ela segurou o tecido da saia de Killua com muito cuidado com sua mão livre, atraindo o olhar dele de desgosto por estar sendo tocado antes de suavizar sua careta o máximo que podia ao ver o tamanho dos olhinhos brilhantes da garotinha, virando sua página e rabiscando um "sou" para virar para ela com um mínimo sorriso nos lábios vermelho cereja.

— Não fala? Tá bem! — e sem dar a mínima para o que as normas de segurança mais básicas falam, ela se sentou ao lado dele onde antes estava Zushi e ficou balançando os pés por ser minúscula. Era garota com nariz meio empinado no sentido metafórico, sentava-se como um suricato de tão ereta e seus olhinhos eram como duas jabuticabas de mais brilho possíveis; além disso, tinha pele morena e jeito de quem ia mandar em alguém a qualquer momento. Lembrava a postura de Killua. — Você é de verdade... Parece uma pintura, moça. Quero ser assim quando ficar grandona, igualzinho uma bonequinha. Mas você é tão branca, acho que nunca vi alguém tão branca assim. É igual neve... Qual seu nome? O meu é Dinah.

Como toda criança, Dinah não parecia ser muito fã de fazer silêncio. O Zoldyck escreveu "é killua, sou um moço" e observou enquanto ela ficava boquiaberta com a informação. Gon também olhava atentamente sem interferir em nada, apenas porque gostava de ver seu namorado interagir com o mundo da forma dele — brincara com Zushi uns dias antes que sua sexualidade desde o ensino médio era Killuaromântico e nada mais — nos momentos que estava mais estressado, tentando compreender como era sua visão e qual era sua essência por meio daqueles tipos de momentos onde ele se fazia minimamente atingível mesmo que não fosse lá o maior amante da ideia de conviver com crianças.

— Um moço? Jura? — Dinah piscou várias vezes quando ele assentiu, completamente embasbacada. — Impossível... Um moço que se veste bem assim é real? A mamãe ia ficar tão surpresa disso. Ela sempre diz que meninos andam "maltrapilhos e desconjuntados" de propósito, e eu até olhei no dicionário pra saber o que era isso, aí concordei. Killua, você anda muito bonito pra um moço. Posso tirar foto com você?

Tudo aquilo apenas pelo evento de conhecer um garoto que se vestia decentemente. Internamente ambos se perguntavam qual era o parâmetro de vestimenta masculina que a pobre coitada mantinha, assim como qual era a experiência da mãe com isso; engolindo essa pergunta Killua afirmou silenciosamente outra vez, seguindo a menina com o olhar enquanto ela saltitava até uma outra fileira de cadeiras, puxava a manga de uma mulher e apontava fervorosamente na sua direção até conseguir com que ela levantasse e a acompanhasse, sentada outra vez ao lado do Zoldyck tão logo conseguiu. Realmente roubara o assento de Zushi — ora, ele também não parecia inclinado a voltar de onde quer que estivesse, na companhia de Alluka zanzando pelo aeroporto há tempos sem entender a briga que fizera com que os irmãos não trocassem nenhuma palavra nos cinco últimos dias — sem demonstrar o mínimo remorso ou muito menos reconhecê-lo pelo seu trabalho como cantor: Dinah estava encantada por ele ser um moço bem vestido e que parecia uma boneca, impressão essa que poderia ou não ter sido acentuada pelo fato de que todas as suas tatuagens estavam cobertas e Killua não falara um palavra sequer. Se pudesse provavelmente quereria levá-lo para casa.

✧ MOTHER ARCADE, killugonOnde histórias criam vida. Descubra agora