Prefácio

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A água congelava o seu corpo dormente. A sensação era a de que tinha se transformado em uma estátua de vidro que se estilhaçaria ao mais delicado toque. Agora não tremia mais, estava rígida como um cadáver. Demoraria pouco tempo até se transformar em um. A falta de ar também não era mais um problema: não se lembrava de que precisava respirar e não tinha mais consciência de que estava embaixo d'água.

Segundos, minutos ou horas se passaram. Ofélia não sentia mais o tempo, assim como não sentia os braços e as pernas. O lago era o limbo para onde iria a sua alma, a dimensão para onde iria sua mente e o sepulcro para onde iria o seu corpo. Esperava que os peixes se banqueteassem com as pontas de seus dedos magros e com os globos brancos dos seus olhos. Sabia que os peixes gostavam especialmente dos olhos.

Ofélia ouviu a placidez lacustre ser quebrada quando todos os seus outros sentidos já estavam adormecidos. Era como se grandes pedras, muito maiores do que aquelas que estavam pesando em seu bolso, estivessem caindo ao seu redor, levantando consigo colunas e colunas d'água. Talvez fossem as criaturas noturnas que saíam de seus esconderijos terrestres para se alimentar no lago. Criaturas de forma humana e rosto mágico, com guelras no pescoço e membranas entre os dedos. Eles a levariam para as profundezas, para o palácio impossivelmente enorme ao centro do reino submerso, onde a estariam esperando com um banquete: enguias, bagres, saladas de algas e caramujos... talvez seus próprios olhos verdes, espetados em palitos como azeitonas.

Alguma coisa a agarrou pela cintura. O aperto repentino fez com que seus pulmões aspirassem aquela água enregelada e o seu peito ficou ainda mais pesado. Não sabia se a puxavam para a superfície ou para o fundo, mas esperava que estivesse descendo, apesar de sentir que a pressão sobre seu corpo estava cada vez menor. E tudo estava tão escuro, mas talvez ela só estivesse de olhos fechados.

Primeiro, ela sentiu o vento. O frio a flagelava, fustigava seu rosto, os assovios percorrendo seus ouvidos como o canto de sirenas. A água parecia quente contra o ar frígido da madrugada. Madrugada? Como ela poderia saber? Talvez fossem ensiná-la a voar. Ofélia sentia o calor do corpo que estava junto ao dela.

Frio paralisante. Em seguida, o chão duro. Não estava mais no lago. Não sabia onde estava. Queria descansar. Seus sentidos cederam e ela não pensou em mais nada.

Ofélia: a Prisioneira dos SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora